O filme que inspirou o Silêncio de Scorsese 
Por Matheus Cartaxo
|
30.set.2025
Midle Dot

Muito antes de Martin Scorsese lançar, em 2016, sua aclamada adaptação de Silêncio, o romance de Shûsako Endô já havia ganhado vida no cinema. Em 1971, o diretor japonês Masahiro Shinoda, com roteiro escrito em parceria com o próprio autor, levou a história para as telas, criando uma obra que transmite com precisão a experiência espiritual que o livro propunha.

Essa adaptação antecedeu em 45 anos a versão de Scorsese e é considerada, tal como a mais recente, bastante fiel ao livro. Não há dúvida de que o cineasta norte-americano se inspirou no filme de Shinoda: várias cenas foram concebidas e filmadas de forma semelhante, a ponto de permitir um exercício comparativo interessante. 

Silêncio (2016)
Silêncio (1971)
Silêncio (2016)
Silêncio (1971)
Silêncio (2016)
Silêncio (1971)

Enquanto Scorsese filma já como um mestre consolidado, capaz de imprimir à obra o peso de sua maturidade artística, Shinoda oferece um olhar enraizado na tradição japonesa. Seu Silêncio é austero, cheio de vazios significativos, e recorre a encenações que evocam o teatro Nô — lentas, contidas, mas carregadas de simbolismo. Apesar das diferenças, no coração das duas versões pulsa a mesma essência: a fé levada ao limite da provação, diante de um Deus que parece ausente. 

Mas, hoje, trataremos deste primeiro Silêncio, feito em 1971, que fala sobre fé e martírio no Japão do século XVII.

Nos primeiros minutos, o contexto da trama é apresentado: uma narração explica como cristãos eram perseguidos pelos governantes do país, que tentavam impedir que o Japão se convertesse à religião vinda do Ocidente.

Enquanto isso, pinturas antigas aparecem na tela, assim como a imagem do Cristo preso à Cruz, já anunciando, desde o início, o destino dos dois protagonistas.

Padre Garrpe e Padre Rodrigues são dois jovens jesuítas que partem em busca do mentor deles, o Padre Ferreira, um missionário desaparecido. Nessa viagem, a dupla encontra um cenário desolador, onde enfrentarão os maiores desafios de suas vidas.

Presos, eles sofrem formas brutais de violência, atravessando longas sessões de torturas físicas e psicológicas. Em vez de rapidamente matá-los, seus perseguidores preferem submetê-los a estes sofrimentos com um único objetivo: quebrar a vontade dos religiosos, destruir suas almas, para que eles abdicassem de suas crenças.

No lugar de semear o caminho de mártires, as autoridades procuram criar apóstatas, fazendo com que os cristãos reneguem sua fé. Assim, supostamente desistindo de defender a Palavra que anunciam, eles estariam expondo os limites dela aos demais.

No filme, repetidas vezes, assistimos ao ato que simboliza a apostasia: as vítimas das torturas são forçadas a profanar imagens da Virgem Maria ou de Jesus Cristo, cuspindo ou pisando sobre elas, como forma de demonstrar desrespeito e orgulho.

Após testemunhar toda sorte de atrocidades cometidas contra seus irmãos, é chegada a vez do Padre Rodrigues sofrer na pele as mesmas agressões. Por ainda resistir, os perseguidores decidem: ou ele comete a apostasia ou outros prisioneiros serão torturados e mortos em seu lugar. Diante disso, o que ele deverá fazer?

Padre Rodrigues aguarda um sinal, uma voz, uma palavra para guiá-lo em suas batalhas interiores. O Padre Ferreira tenta convencê-lo de que Jesus pisaria na imagem por amor aos outros prisioneiros e talvez o Padre Rodrigues esteja agindo com orgulho ao cogitar o contrário. Como saber? Ele implora a Deus por uma resposta, mas ela não vem. No ápice do desespero, ele pisa. Na banda sonora, um galo canta, como no Evangelho.

Por que Deus não se manifestou naquela hora crucial? Por que Ele escolheu o Silêncio? Ao optar por não oferecer conclusões de antemão, o filme faz refletir.

No livro “A fé dos demônios”, o filósofo francês Fabrice Hadjadj busca pensar a respeito dos motivos que levam Deus a “se esconder”.

“Por que Deus não quis produzir fortes sinais para nós? Por que, no momento da consagração eucarística, o Céu não se abre para fazer descer visivelmente Jesus? Por que a palavra de cada pregador não é acompanhada de chamas que jorram de sua boca? E por que o nariz do herético não se alonga como o de Pinóquio? As coisas não seriam melhores assim? (…) Mas Deus não poderia ter implantado em nós uma espécie de fone para que pudéssemos ouvir sua palavra diretamente, de forma sonora e convincente?”

Mais adiante, Fabrice Hadjadj afirma que a discrição de Deus implica a necessidade de partir em Sua busca para estar com Ele por força de um desejo, não de uma imposição.

“Se para nós ele não produz evidências tão estonteantes que nos forçariam à submissão, como escravos, é porque Ele nos quer libertar como irmãos. ”

De volta ao filme, podemos então supor que, diante do silêncio, Padre Rodrigues abandonou o que restava de orgulho para buscar até o fim por Deus.

Para isso, foi preciso fazer de suas orações um clamor verdadeiro por misericórdia, confiando, na sua mais profunda intimidade, que Aquele que as escuta conhece o seu coração mais do que ele mesmo.

***

E se o silêncio de Deus for a resposta? Essa é a pergunta que o filme de Masahiro Shinoda nos convida a fazer.

Assista agora mesmo a obra-prima que inspirou Scorsese e mergulhe no drama de uma fé levada ao limite.

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Muito antes de Martin Scorsese lançar, em 2016, sua aclamada adaptação de Silêncio, o romance de Shûsako Endô já havia ganhado vida no cinema. Em 1971, o diretor japonês Masahiro Shinoda, com roteiro escrito em parceria com o próprio autor, levou a história para as telas, criando uma obra que transmite com precisão a experiência espiritual que o livro propunha.

Essa adaptação antecedeu em 45 anos a versão de Scorsese e é considerada, tal como a mais recente, bastante fiel ao livro. Não há dúvida de que o cineasta norte-americano se inspirou no filme de Shinoda: várias cenas foram concebidas e filmadas de forma semelhante, a ponto de permitir um exercício comparativo interessante. 

Silêncio (2016)
Silêncio (1971)
Silêncio (2016)
Silêncio (1971)
Silêncio (2016)
Silêncio (1971)

Enquanto Scorsese filma já como um mestre consolidado, capaz de imprimir à obra o peso de sua maturidade artística, Shinoda oferece um olhar enraizado na tradição japonesa. Seu Silêncio é austero, cheio de vazios significativos, e recorre a encenações que evocam o teatro Nô — lentas, contidas, mas carregadas de simbolismo. Apesar das diferenças, no coração das duas versões pulsa a mesma essência: a fé levada ao limite da provação, diante de um Deus que parece ausente. 

Mas, hoje, trataremos deste primeiro Silêncio, feito em 1971, que fala sobre fé e martírio no Japão do século XVII.

Nos primeiros minutos, o contexto da trama é apresentado: uma narração explica como cristãos eram perseguidos pelos governantes do país, que tentavam impedir que o Japão se convertesse à religião vinda do Ocidente.

Enquanto isso, pinturas antigas aparecem na tela, assim como a imagem do Cristo preso à Cruz, já anunciando, desde o início, o destino dos dois protagonistas.

Padre Garrpe e Padre Rodrigues são dois jovens jesuítas que partem em busca do mentor deles, o Padre Ferreira, um missionário desaparecido. Nessa viagem, a dupla encontra um cenário desolador, onde enfrentarão os maiores desafios de suas vidas.

Presos, eles sofrem formas brutais de violência, atravessando longas sessões de torturas físicas e psicológicas. Em vez de rapidamente matá-los, seus perseguidores preferem submetê-los a estes sofrimentos com um único objetivo: quebrar a vontade dos religiosos, destruir suas almas, para que eles abdicassem de suas crenças.

No lugar de semear o caminho de mártires, as autoridades procuram criar apóstatas, fazendo com que os cristãos reneguem sua fé. Assim, supostamente desistindo de defender a Palavra que anunciam, eles estariam expondo os limites dela aos demais.

No filme, repetidas vezes, assistimos ao ato que simboliza a apostasia: as vítimas das torturas são forçadas a profanar imagens da Virgem Maria ou de Jesus Cristo, cuspindo ou pisando sobre elas, como forma de demonstrar desrespeito e orgulho.

Após testemunhar toda sorte de atrocidades cometidas contra seus irmãos, é chegada a vez do Padre Rodrigues sofrer na pele as mesmas agressões. Por ainda resistir, os perseguidores decidem: ou ele comete a apostasia ou outros prisioneiros serão torturados e mortos em seu lugar. Diante disso, o que ele deverá fazer?

Padre Rodrigues aguarda um sinal, uma voz, uma palavra para guiá-lo em suas batalhas interiores. O Padre Ferreira tenta convencê-lo de que Jesus pisaria na imagem por amor aos outros prisioneiros e talvez o Padre Rodrigues esteja agindo com orgulho ao cogitar o contrário. Como saber? Ele implora a Deus por uma resposta, mas ela não vem. No ápice do desespero, ele pisa. Na banda sonora, um galo canta, como no Evangelho.

Por que Deus não se manifestou naquela hora crucial? Por que Ele escolheu o Silêncio? Ao optar por não oferecer conclusões de antemão, o filme faz refletir.

No livro “A fé dos demônios”, o filósofo francês Fabrice Hadjadj busca pensar a respeito dos motivos que levam Deus a “se esconder”.

“Por que Deus não quis produzir fortes sinais para nós? Por que, no momento da consagração eucarística, o Céu não se abre para fazer descer visivelmente Jesus? Por que a palavra de cada pregador não é acompanhada de chamas que jorram de sua boca? E por que o nariz do herético não se alonga como o de Pinóquio? As coisas não seriam melhores assim? (…) Mas Deus não poderia ter implantado em nós uma espécie de fone para que pudéssemos ouvir sua palavra diretamente, de forma sonora e convincente?”

Mais adiante, Fabrice Hadjadj afirma que a discrição de Deus implica a necessidade de partir em Sua busca para estar com Ele por força de um desejo, não de uma imposição.

“Se para nós ele não produz evidências tão estonteantes que nos forçariam à submissão, como escravos, é porque Ele nos quer libertar como irmãos. ”

De volta ao filme, podemos então supor que, diante do silêncio, Padre Rodrigues abandonou o que restava de orgulho para buscar até o fim por Deus.

Para isso, foi preciso fazer de suas orações um clamor verdadeiro por misericórdia, confiando, na sua mais profunda intimidade, que Aquele que as escuta conhece o seu coração mais do que ele mesmo.

***

E se o silêncio de Deus for a resposta? Essa é a pergunta que o filme de Masahiro Shinoda nos convida a fazer.

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