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A última queda de Hollywood: o que a venda da Warner Bros revela sobre o destino do cinema? 
Por Leandro Costa
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13.nov.2025
Midle Dot

No dia 21 de Outubro, a Warner Bros. Discovery anunciou que está considerando a venda de parte ou da totalidade da empresa.

O anúncio desencadeou uma série de especulações por parte da mídia e de diversas empresas interessadas em adquirir uma das gigantes da indústria cinematográfica, ao mesmo tempo em que provocou várias críticas, principalmente da parte dos profissionais de cinema e dos sindicatos.

O New York Times chegou a noticiar que “Hollywood vive uma atmosfera desoladora”, com um sentimento predominante de “fatalidade, pessimismo e raiva”.

É certo que a transformação do modelo de negócio na indústria do cinema não é uma novidade: a venda total de algumas empresas ou sua fusão com grandes conglomerados de mídia é uma tendência que se iniciou ainda na década de 80, depois de algumas crises financeiras sofridas por Hollywood nas décadas anteriores. Mas essa tendência foi profundamente intensificada com o advento dos streamings e com a entrada das big techs no mercado do entretenimento.

De 2006 a 2012, a Disney iniciou a criação de um verdadeiro império de franquias, ao adquirir a Pixar, a Marvel Studios e a Lucasfilm. Império que se consolidou ainda mais em 2019, com a compra do braço cinematográfico e de parte dos produtos televisivos da 20th Century Fox.

Em 2011, a gigante de telecomunicações Comcast adquiriu a Universal Pictures, criando um ecossistema de TV aberta, canais pagos e estúdios cinematográficos. Em 2016, o mesmo grupo adquiriu a DreamWorks Animation, estúdio que tinha em seu catálogo títulos como Shrek, Kung Fu Panda e Madagascar.

Em 2019, a Paramount foi incorporada à Viacom CBS (Paramount Global), grupo responsável por marcas como CBS, Showtime, MTV e Nickelodeon.

Em 2021, a Amazon comprou a MGM (Metro-Goldwyn-Mayer), um dos estúdios e distribuidores lendários da história de Hollywood, com um catálogo com mais de 4000 filmes, no qual estão inclusos franquias como Rocky e James Bond. Mais um dos velhos majors foi comprado por uma empresa emergente da era da internet.

A própria Warner se fundiu com a Discovery em 2022, criando a Warner Bros. Discovery. Além dos filmes e dos estúdios, o grupo é dono de marcas como CNN, DC Comics e HBO Max.

Mas se a venda e a incorporação dos grandes estúdios de Hollywood não é uma novidade, por que o anúncio da venda da Warner provocou essa atmosfera de “desolação”?

Para compreendermos o que a venda do último dos major da história de Hollywood significa no cenário atual da indústria, é preciso conhecer um pouco dessa história.

Um breve histórico da Warner até 1950

A Warner Bros. é uma das empresas mais antigas de Hollywood, tendo completado 100 anos em 2023. 

A Warner nasceu do espírito empreendedor dos irmãos Harry, Sam, Albert e Jack, filhos de Benjamin e Pearl Warner, imigrantes judeus poloneses que fugiram para os Estados Unidos no final do século XIX. Depois de alguns empreendimentos — e de ter enfrentado dificuldades financeiras —, a família acabou por se estabelecer e conseguiu criar os seus filhos.

O envolvimento com o cinema veio da parte de Sam, que começou a trabalhar como projecionista em 1903.

Seguindo uma intuição de que seria um bom negócio ingressar neste mercado, Sam convenceu seus irmãos a comprarem um projetor por mil dólares, valor que foi reunido com as economias de alguns irmãos, somadas ao dinheiro obtido com o penhor do relógio de ouro de seu pai, Benjamin. 

A princípio, eles compravam os filmes e viajavam por algumas cidades do Ohio e da Pensilvânia para exibi-los. Mais tarde, acabaram por se estabelecer em um cinema fixo, o qual, segundo os slogans divulgados à época, oferecia “entretenimento refinado para senhoras, cavalheiros e crianças”. Além do pioneirismo, o cinema dos irmãos Warner ficou conhecido por sua gestão inovadora. É famosa a anedota de que as cadeiras do teatro eram emprestadas de uma funerária — e precisavam ser devolvidas quando havia funeral.

Apesar do relativo sucesso, os irmãos Warner perceberam que apenas a exibição de filmes não lhes traria um lucro expressivo. Era preciso distribuí-los. Eles entraram no mercado de distribuição em 1907 e, no final de 1908, já possuíam os direitos de duzentos títulos.

Após anos de ascensões e quedas — incluindo a disputa com a Companhia de Patentes criada por Thomas Edison, conhecida como “O truste” —, os Warner foram se consolidando no mercado e começaram a produzir seus próprios filmes, até que, em 1923, nascia formalmente a Warner Brothers Pictures Inc.

O primeiro grande sucesso do estúdio foi a série de filmes protagonizada pelo cachorro Rin Tin Tin, que o faria entrar em um outro patamar dentro da indústria. Mas a verdadeira transformação, que seria revolucionária e mudaria a arte do cinema como um todo, veio em 1927, quando o estúdio apostou na produção e no lançamento de O cantor de jazz, filme com som e voz sincronizados, que marcou o fim da era do “cinema silencioso”. O dinheiro obtido com a bilheteria desse filme foi empregado na transferência da Warner de Hollywood para Burbank, onde até hoje fica o maior complexo de estúdios da empresa.

Depois da revolução do som sincronizado, a Warner continuou inovando. Nos anos 30, nasceu o selo Looney Tunes, com personagens infantis que ficariam conhecidos no mundo inteiro, como Pernalonga, Patolino e Papa-léguas. Além disso, Hollywood vivia a grande “Era de ouro” dos estúdios e a Warner mantinha contrato de exclusividade com estrelas como Bete Davies, Doris Day, James Cagney e Humphrey Bogart.

As transformações corporativas da Warner Brothers

Na segunda metade do século XX, a indústria hollywoodiana como um todo passou por um grande processo de transformação. Depois de sua Era de ouro (dos anos 30 aos anos 50), os grandes estúdios sofreram com as alterações tecnológicas, ideológicas e sociais dos novos tempos do pós-guerra: o advento da televisão, a mudança de gostos do público jovem e a lei antitruste promulgada em 1948 — que obrigou os grandes estúdios a se desfazerem de suas redes de cinema — foram um grande golpe para a indústria cinematográfica, pois o público do cinema despencou. De 1948 a 1955, a audiência semanal dos EUA passou de 90 milhões para menos de 50 milhões de pessoas. Várias salas de cinema foram fechadas. Em 1959, o índice de desemprego dos profissionais sindicalizados chegou a mais de 60% nos EUA. A era dos grandes estúdios havia terminado.

A indústria precisou se reinventar. Foi apenas na metade da década de 60, com a internacionalização dos lançamentos, o barateamento das produções, os produtores independentes e os acordos realizados com canais de TV, que Hollywood voltou a obter lucros e um equilíbrio econômico. Iniciava-se, aí, a era dos grandes conglomerados de mídia.

Em 1966, Jack Warner vendeu o controle da empresa para a Seven Arts Productions. Posteriormente, em 1968, foi a vez da Kinney National assumir o controle. E então a antiga Warner Bros. passou a se chamar Warner Communications. A década de 70 foi uma fase de muitos sucessos de bilheteria e de crítica. Entre eles, O Exorcista (1972), de William Friedkin, que, entre outras coisas, remodelou o modo como os filmes eram lançados; Banzé no Oeste (1974), de Mel Brooks, sátira aos filmes de faroeste que eram o símbolo da velha Hollywood; e Superman: o filme (1978), de Richard Donner, pois a Kinney National detinha as propriedades da DC Comics, selo que, mais tarde, já no século XXI, se transformaria no “carro-chefe” do estúdio.

Nas próximas décadas, viriam novas fusões e mudanças corporativas. Novos ciclos de sucesso e de instabilidade. Primeiro, a venda para a Time por 14 bilhões de dólares, que criou a Time Warner. Depois, no auge da “bolha das ponto com”, a venda para a AOL, que à época foi descrita como a maior fusão empresarial da história, mas que resultou em um prejuízo catastrófico de 99 bilhões de dólares no ano de 1999. Prejuízo que, para ser sanado, provocou mais vendas de partes da empresa.

No início dos anos 2000, viria a recuperação, com adaptações de grandes franquias como Harry Potter e O Senhor dos Anéis, além da saga Matrix, produções que apostaram em inovações tecnológicas e levaram a Warner a se tornar o primeiro estúdio da história a arrecadar mais de 2 bilhões de dólares em um único ano, e apenas dentro dos Estados Unidos.

Mas essa recuperação não foi suficiente para acabar com a instabilidade. Em 2018, a Time Warner foi vendida por US$85 bilhões para a gigante de telefonia AT&T, que renomeou a empresa para Warner Media. Em 2022, mais uma fusão. Dessa vez com a Discovery, famosa empresa de televisão a cabo. Nascia a Warner Bros. Discovery, a partir de um acordo avaliado em US$43 bilhões. Mas o acordo não resultou em lucros, pois, alguns anos depois, a Warner acumulava dívidas cuja soma chegava aos US$55 bilhões.

Os possíveis motivos da venda da Warner Brothers e o cenário atual da indústria

Essa grande quantidade de dívidas é apontada como a causa mais provável para a sinalização de venda ocorrida semanas atrás. Sob o comando do CEO David Zaslav, que assumiu em abril de 2022, a empresa adotou uma política baseada puramente na busca por obtenção de lucros, na tentativa de saldar todas as dívidas.

O fracasso da fusão com a Discovery foi um erro de cálculo pelo qual os dirigentes da Warner não estavam esperando: o número de assinantes de TV a cabo diminuiu drasticamente, num tempo muito menor do que o previsto. Além disso, a maior oferta de streamings e o aumento — e o aperfeiçoamento — das produções televisivas fez com que as bilheterias de cinema também obtivessem um sucesso muito menor do que o esperado. É certo que a indústria ainda está se recuperando das consequências sofridas em 2020 com a pandemia, mas, mesmo quando se desconta este ano dos cálculos, a perspectiva não é muito animadora. Considerando o valor investido e o retorno que se espera sobre o investimento, o número de produções bem sucedidas é pequeno, levando em conta os padrões dos sucessos anteriores. Além disso, há uma crise trabalhista enfrentada pela indústria, que está fazendo os profissionais abandonarem a Califórnia; e a ascensão dos modelos de Inteligência Artificial ameaça trazer transformações ainda mais drásticas. Frente a essa situação, Zaslav implementou medidas que foram consideradas altamente controversas pelos membros da indústria cinematográfica: aboliu divisões da empresa, cancelou programas e contratos, arquivou produções em andamento e demitiu milhares de trabalhadores.

Nessa circunstância, a Warner Bros. Discovery recebeu “interesse não solicitado” de “múltiplas partes”. O conselho administrativo passou a avaliar alternativas estratégicas para “maximizar o valor da empresa para os acionistas”. São três cenários possíveis: a divisão entre estúdios, televisão e streaming e a venda de apenas uma das partes; a venda total; ou a venda a partir da divisão dos produtos da Warner Bros. e os produtos da Discovery.

Até então, o principal interessado revelado pelos veículos de mídia é a Paramount, apoiada pela família Ellison (do bilionário Larry Ellison, dono da Oracle). David Ellison, presidente da Paramount, ofereceu US$58 bilhões em ações e dinheiro pela empresa. O conselho da Warner rejeitou a oferta, pois a considerou muito baixa. Obviamente, a recusa tem o objetivo de aumentar o preço das ações e valorizar ainda mais os ativos da empresa. Outros interessados e potenciais compradores são a Comcast, a Netflix, a Apple e a Amazon.

Para além do lamento pelo fim de uma história tão inspiradora, que iniciou com o sonho empreendedor de quatro irmãos visionários, o que essa venda significa para a arte do cinema?

A nova era do cinema

A Warner é um dos cinco maiores estúdios da história de Hollywood. E, a despeito de ser um “mamute” da indústria — e apesar de todas as fusões já mencionadas —, o estúdio ainda conserva sua autonomia criativa. Historicamente, foi a “casa” que deu carta branca para cineastas autores como Stanley Kubrick, Martins Scorsese e Clint Eastwood. Mais recentemente, para Christopher Nolan e Matt Reeves. Considerando o legado da HBO, é relevante também lembrar de séries visionárias como A rede, de David Simon, Família Soprano, de David Chase, Game of Thrones, de David Benioff e True Detective, de Nic Pizzolatto. A iminente venda da Warner representa a vitória final da era dos grandes conglomerados de mídia sobre o legado dos estúdios.

São movimentações financeiras que concentram a criatividade, o entretenimento e o controle de informação na mão de poucos agentes. A possível aquisição da Warner Bros. Discovery pela família Ellison (que já detém o controle da Paramount), criaria uma entidade combinada com um portfólio de produtos sem paralelo na história do cinema e da televisão, o qual abrangeria HBO Max, Paramount+, CNN, CBS News, e as franquias icônicas como O Senhor dos Anéis, Harry Potter, Matrix e DC Comics. Seria um verdadeiro colosso de mídia.

E é aí que está a maior preocupação por parte dos críticos dessa nova era da indústria: quando consideramos o que tornou possível a própria criação de muitas dessas produções, chegamos à conclusão de que é um tipo de criatividade que as torna únicas. Uma criatividade que, como é possível observar pelas produções dos últimos anos vindas de Hollywood, não se encaixa, necessariamente, nas estratégias globais dos algoritmos dos streamings ou na lógica de sempre “repetir o que já deu certo”, que motiva a infinidade de franquias. Além de ameaçar a liberdade de expressão e de aniquilar a concorrência, essas sucessivas fusões entre empresas também são predatórias para os trabalhadores, como as recentes demissões em massa, greves e manifestações dos sindicatos têm demonstrado.

É todo um legado artístico, histórico e humano que desaparece para dar lugar à lógica das métricas, do consumo indiscriminado e do pensamento único. Uma lógica que inaugura uma nova era para o entretenimento, para a cultura e para a arte do cinema.     

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No dia 21 de Outubro, a Warner Bros. Discovery anunciou que está considerando a venda de parte ou da totalidade da empresa.

O anúncio desencadeou uma série de especulações por parte da mídia e de diversas empresas interessadas em adquirir uma das gigantes da indústria cinematográfica, ao mesmo tempo em que provocou várias críticas, principalmente da parte dos profissionais de cinema e dos sindicatos.

O New York Times chegou a noticiar que “Hollywood vive uma atmosfera desoladora”, com um sentimento predominante de “fatalidade, pessimismo e raiva”.

É certo que a transformação do modelo de negócio na indústria do cinema não é uma novidade: a venda total de algumas empresas ou sua fusão com grandes conglomerados de mídia é uma tendência que se iniciou ainda na década de 80, depois de algumas crises financeiras sofridas por Hollywood nas décadas anteriores. Mas essa tendência foi profundamente intensificada com o advento dos streamings e com a entrada das big techs no mercado do entretenimento.

De 2006 a 2012, a Disney iniciou a criação de um verdadeiro império de franquias, ao adquirir a Pixar, a Marvel Studios e a Lucasfilm. Império que se consolidou ainda mais em 2019, com a compra do braço cinematográfico e de parte dos produtos televisivos da 20th Century Fox.

Em 2011, a gigante de telecomunicações Comcast adquiriu a Universal Pictures, criando um ecossistema de TV aberta, canais pagos e estúdios cinematográficos. Em 2016, o mesmo grupo adquiriu a DreamWorks Animation, estúdio que tinha em seu catálogo títulos como Shrek, Kung Fu Panda e Madagascar.

Em 2019, a Paramount foi incorporada à Viacom CBS (Paramount Global), grupo responsável por marcas como CBS, Showtime, MTV e Nickelodeon.

Em 2021, a Amazon comprou a MGM (Metro-Goldwyn-Mayer), um dos estúdios e distribuidores lendários da história de Hollywood, com um catálogo com mais de 4000 filmes, no qual estão inclusos franquias como Rocky e James Bond. Mais um dos velhos majors foi comprado por uma empresa emergente da era da internet.

A própria Warner se fundiu com a Discovery em 2022, criando a Warner Bros. Discovery. Além dos filmes e dos estúdios, o grupo é dono de marcas como CNN, DC Comics e HBO Max.

Mas se a venda e a incorporação dos grandes estúdios de Hollywood não é uma novidade, por que o anúncio da venda da Warner provocou essa atmosfera de “desolação”?

Para compreendermos o que a venda do último dos major da história de Hollywood significa no cenário atual da indústria, é preciso conhecer um pouco dessa história.

Um breve histórico da Warner até 1950

A Warner Bros. é uma das empresas mais antigas de Hollywood, tendo completado 100 anos em 2023. 

A Warner nasceu do espírito empreendedor dos irmãos Harry, Sam, Albert e Jack, filhos de Benjamin e Pearl Warner, imigrantes judeus poloneses que fugiram para os Estados Unidos no final do século XIX. Depois de alguns empreendimentos — e de ter enfrentado dificuldades financeiras —, a família acabou por se estabelecer e conseguiu criar os seus filhos.

O envolvimento com o cinema veio da parte de Sam, que começou a trabalhar como projecionista em 1903.

Seguindo uma intuição de que seria um bom negócio ingressar neste mercado, Sam convenceu seus irmãos a comprarem um projetor por mil dólares, valor que foi reunido com as economias de alguns irmãos, somadas ao dinheiro obtido com o penhor do relógio de ouro de seu pai, Benjamin. 

A princípio, eles compravam os filmes e viajavam por algumas cidades do Ohio e da Pensilvânia para exibi-los. Mais tarde, acabaram por se estabelecer em um cinema fixo, o qual, segundo os slogans divulgados à época, oferecia “entretenimento refinado para senhoras, cavalheiros e crianças”. Além do pioneirismo, o cinema dos irmãos Warner ficou conhecido por sua gestão inovadora. É famosa a anedota de que as cadeiras do teatro eram emprestadas de uma funerária — e precisavam ser devolvidas quando havia funeral.

Apesar do relativo sucesso, os irmãos Warner perceberam que apenas a exibição de filmes não lhes traria um lucro expressivo. Era preciso distribuí-los. Eles entraram no mercado de distribuição em 1907 e, no final de 1908, já possuíam os direitos de duzentos títulos.

Após anos de ascensões e quedas — incluindo a disputa com a Companhia de Patentes criada por Thomas Edison, conhecida como “O truste” —, os Warner foram se consolidando no mercado e começaram a produzir seus próprios filmes, até que, em 1923, nascia formalmente a Warner Brothers Pictures Inc.

O primeiro grande sucesso do estúdio foi a série de filmes protagonizada pelo cachorro Rin Tin Tin, que o faria entrar em um outro patamar dentro da indústria. Mas a verdadeira transformação, que seria revolucionária e mudaria a arte do cinema como um todo, veio em 1927, quando o estúdio apostou na produção e no lançamento de O cantor de jazz, filme com som e voz sincronizados, que marcou o fim da era do “cinema silencioso”. O dinheiro obtido com a bilheteria desse filme foi empregado na transferência da Warner de Hollywood para Burbank, onde até hoje fica o maior complexo de estúdios da empresa.

Depois da revolução do som sincronizado, a Warner continuou inovando. Nos anos 30, nasceu o selo Looney Tunes, com personagens infantis que ficariam conhecidos no mundo inteiro, como Pernalonga, Patolino e Papa-léguas. Além disso, Hollywood vivia a grande “Era de ouro” dos estúdios e a Warner mantinha contrato de exclusividade com estrelas como Bete Davies, Doris Day, James Cagney e Humphrey Bogart.

As transformações corporativas da Warner Brothers

Na segunda metade do século XX, a indústria hollywoodiana como um todo passou por um grande processo de transformação. Depois de sua Era de ouro (dos anos 30 aos anos 50), os grandes estúdios sofreram com as alterações tecnológicas, ideológicas e sociais dos novos tempos do pós-guerra: o advento da televisão, a mudança de gostos do público jovem e a lei antitruste promulgada em 1948 — que obrigou os grandes estúdios a se desfazerem de suas redes de cinema — foram um grande golpe para a indústria cinematográfica, pois o público do cinema despencou. De 1948 a 1955, a audiência semanal dos EUA passou de 90 milhões para menos de 50 milhões de pessoas. Várias salas de cinema foram fechadas. Em 1959, o índice de desemprego dos profissionais sindicalizados chegou a mais de 60% nos EUA. A era dos grandes estúdios havia terminado.

A indústria precisou se reinventar. Foi apenas na metade da década de 60, com a internacionalização dos lançamentos, o barateamento das produções, os produtores independentes e os acordos realizados com canais de TV, que Hollywood voltou a obter lucros e um equilíbrio econômico. Iniciava-se, aí, a era dos grandes conglomerados de mídia.

Em 1966, Jack Warner vendeu o controle da empresa para a Seven Arts Productions. Posteriormente, em 1968, foi a vez da Kinney National assumir o controle. E então a antiga Warner Bros. passou a se chamar Warner Communications. A década de 70 foi uma fase de muitos sucessos de bilheteria e de crítica. Entre eles, O Exorcista (1972), de William Friedkin, que, entre outras coisas, remodelou o modo como os filmes eram lançados; Banzé no Oeste (1974), de Mel Brooks, sátira aos filmes de faroeste que eram o símbolo da velha Hollywood; e Superman: o filme (1978), de Richard Donner, pois a Kinney National detinha as propriedades da DC Comics, selo que, mais tarde, já no século XXI, se transformaria no “carro-chefe” do estúdio.

Nas próximas décadas, viriam novas fusões e mudanças corporativas. Novos ciclos de sucesso e de instabilidade. Primeiro, a venda para a Time por 14 bilhões de dólares, que criou a Time Warner. Depois, no auge da “bolha das ponto com”, a venda para a AOL, que à época foi descrita como a maior fusão empresarial da história, mas que resultou em um prejuízo catastrófico de 99 bilhões de dólares no ano de 1999. Prejuízo que, para ser sanado, provocou mais vendas de partes da empresa.

No início dos anos 2000, viria a recuperação, com adaptações de grandes franquias como Harry Potter e O Senhor dos Anéis, além da saga Matrix, produções que apostaram em inovações tecnológicas e levaram a Warner a se tornar o primeiro estúdio da história a arrecadar mais de 2 bilhões de dólares em um único ano, e apenas dentro dos Estados Unidos.

Mas essa recuperação não foi suficiente para acabar com a instabilidade. Em 2018, a Time Warner foi vendida por US$85 bilhões para a gigante de telefonia AT&T, que renomeou a empresa para Warner Media. Em 2022, mais uma fusão. Dessa vez com a Discovery, famosa empresa de televisão a cabo. Nascia a Warner Bros. Discovery, a partir de um acordo avaliado em US$43 bilhões. Mas o acordo não resultou em lucros, pois, alguns anos depois, a Warner acumulava dívidas cuja soma chegava aos US$55 bilhões.

Os possíveis motivos da venda da Warner Brothers e o cenário atual da indústria

Essa grande quantidade de dívidas é apontada como a causa mais provável para a sinalização de venda ocorrida semanas atrás. Sob o comando do CEO David Zaslav, que assumiu em abril de 2022, a empresa adotou uma política baseada puramente na busca por obtenção de lucros, na tentativa de saldar todas as dívidas.

O fracasso da fusão com a Discovery foi um erro de cálculo pelo qual os dirigentes da Warner não estavam esperando: o número de assinantes de TV a cabo diminuiu drasticamente, num tempo muito menor do que o previsto. Além disso, a maior oferta de streamings e o aumento — e o aperfeiçoamento — das produções televisivas fez com que as bilheterias de cinema também obtivessem um sucesso muito menor do que o esperado. É certo que a indústria ainda está se recuperando das consequências sofridas em 2020 com a pandemia, mas, mesmo quando se desconta este ano dos cálculos, a perspectiva não é muito animadora. Considerando o valor investido e o retorno que se espera sobre o investimento, o número de produções bem sucedidas é pequeno, levando em conta os padrões dos sucessos anteriores. Além disso, há uma crise trabalhista enfrentada pela indústria, que está fazendo os profissionais abandonarem a Califórnia; e a ascensão dos modelos de Inteligência Artificial ameaça trazer transformações ainda mais drásticas. Frente a essa situação, Zaslav implementou medidas que foram consideradas altamente controversas pelos membros da indústria cinematográfica: aboliu divisões da empresa, cancelou programas e contratos, arquivou produções em andamento e demitiu milhares de trabalhadores.

Nessa circunstância, a Warner Bros. Discovery recebeu “interesse não solicitado” de “múltiplas partes”. O conselho administrativo passou a avaliar alternativas estratégicas para “maximizar o valor da empresa para os acionistas”. São três cenários possíveis: a divisão entre estúdios, televisão e streaming e a venda de apenas uma das partes; a venda total; ou a venda a partir da divisão dos produtos da Warner Bros. e os produtos da Discovery.

Até então, o principal interessado revelado pelos veículos de mídia é a Paramount, apoiada pela família Ellison (do bilionário Larry Ellison, dono da Oracle). David Ellison, presidente da Paramount, ofereceu US$58 bilhões em ações e dinheiro pela empresa. O conselho da Warner rejeitou a oferta, pois a considerou muito baixa. Obviamente, a recusa tem o objetivo de aumentar o preço das ações e valorizar ainda mais os ativos da empresa. Outros interessados e potenciais compradores são a Comcast, a Netflix, a Apple e a Amazon.

Para além do lamento pelo fim de uma história tão inspiradora, que iniciou com o sonho empreendedor de quatro irmãos visionários, o que essa venda significa para a arte do cinema?

A nova era do cinema

A Warner é um dos cinco maiores estúdios da história de Hollywood. E, a despeito de ser um “mamute” da indústria — e apesar de todas as fusões já mencionadas —, o estúdio ainda conserva sua autonomia criativa. Historicamente, foi a “casa” que deu carta branca para cineastas autores como Stanley Kubrick, Martins Scorsese e Clint Eastwood. Mais recentemente, para Christopher Nolan e Matt Reeves. Considerando o legado da HBO, é relevante também lembrar de séries visionárias como A rede, de David Simon, Família Soprano, de David Chase, Game of Thrones, de David Benioff e True Detective, de Nic Pizzolatto. A iminente venda da Warner representa a vitória final da era dos grandes conglomerados de mídia sobre o legado dos estúdios.

São movimentações financeiras que concentram a criatividade, o entretenimento e o controle de informação na mão de poucos agentes. A possível aquisição da Warner Bros. Discovery pela família Ellison (que já detém o controle da Paramount), criaria uma entidade combinada com um portfólio de produtos sem paralelo na história do cinema e da televisão, o qual abrangeria HBO Max, Paramount+, CNN, CBS News, e as franquias icônicas como O Senhor dos Anéis, Harry Potter, Matrix e DC Comics. Seria um verdadeiro colosso de mídia.

E é aí que está a maior preocupação por parte dos críticos dessa nova era da indústria: quando consideramos o que tornou possível a própria criação de muitas dessas produções, chegamos à conclusão de que é um tipo de criatividade que as torna únicas. Uma criatividade que, como é possível observar pelas produções dos últimos anos vindas de Hollywood, não se encaixa, necessariamente, nas estratégias globais dos algoritmos dos streamings ou na lógica de sempre “repetir o que já deu certo”, que motiva a infinidade de franquias. Além de ameaçar a liberdade de expressão e de aniquilar a concorrência, essas sucessivas fusões entre empresas também são predatórias para os trabalhadores, como as recentes demissões em massa, greves e manifestações dos sindicatos têm demonstrado.

É todo um legado artístico, histórico e humano que desaparece para dar lugar à lógica das métricas, do consumo indiscriminado e do pensamento único. Uma lógica que inaugura uma nova era para o entretenimento, para a cultura e para a arte do cinema.     

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