Por que assistir aos filmes de Andrei Tarkovski
Por Leandro Costa
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14.nov.2022
Midle Dot

Andrei Arsenevich Tarkovski é reconhecidamente um dos grandes diretores da história do cinema.

Ele nasceu em 1932, em Zavrazhe, na Rússia, povoado que hoje pertence à Bielorrúsia.

Sua mãe, Mariya Vishniakova, era uma atriz de teatro. Seu pai, Arseni Tarkovski, era poeta, e viria a ficar conhecido como um dos grandes escritores da literatura russa moderna — muitos dos seus poemas aparecem nos filmes do filho, como podemos ver em cenas de O Espelho, Stalker e Nostalgia.

Depois de uma infância de constantes mudanças entre as cidades de Yurievets e Moscou — devido à separação dos pais, à eclosão da Segunda Guerra Mundial e a alguns problemas financeiros —, Andrei Tarkovski se estabeleceu com sua família em Moscou, no ano de 1943.

A Infância de Ivan

Entre 1951 e 1954, ele estudou árabe no Instituto de Língua Orientais de Moscou. Após esse curso, entrou para a famosa escola de cinema da mesma cidade, onde aprenderia os princípios da arte que aprimoraria e ajudaria a desenvolver.

Na escola de cinema, Tarkovski produziu dois filmes de curta-metragem.

Seu primeiro filme, o média-metragem O rolo compressor e o violinista, de 1960, foi apresentado como trabalho de conclusão de curso. Posteriormente, porém, o cineasta renegaria esse seu primeiro trabalho de estudante.

Aquele que Tarkovski considera, de fato, como seu primeiro filme, é A infância de Ivan, produzido em 1962.

Andrei Rublev

É com esse filme que Tarkovski inaugura a sua carreira de cineasta já maduro, o qual viria a ser reconhecido no mundo inteiro como um dos grandes artistas do século XX, e cujos filmes inspirariam milhões de pessoas dos mais variados públicos.

Tarkovski e o público

Não é raro que os filmes de Tarkovski sejam considerados difíceis ou até mesmo “chatos”, pois são filmes com uma linguagem muito diferente dos filmes de maior apelo popular com os quais o público atual está acostumado.

Contudo, quando o espectador faz um pequeno esforço para “entrar” no universo de Tarkovski, ele descobre uma nova maneira de olhar para o cinema: não mais apenas como um meio de entretenimento passageiro, mas também como uma fonte de reflexão e de beleza.

Stalker

No início do seu livro Esculpir o tempo, o cineasta compilou um conjunto de cartas que pessoas do público russo lhe enviavam após terem assistido aos seus filmes. Pessoas das mais diferentes profissões e das mais variadas classes sociais compreendiam os filmes de uma maneira muito rica e conseguiam expressar os seus sentimentos com muita propriedade.

A respeito do filme O espelho, uma espectadora escreveu a Tarkovski: “Você sabe, no escuro daquele cinema, olhando para aquele pedaço de tela iluminado pelo teu talento, senti pela primeira vez na vida que não estava sozinha”.

O espelho

Sobre o mesmo filme, um professor da cidade de Novosibirsk escreveu: “o filme é profundamente humano, honesto e relevante — tudo isso se deve ao seu autor. Todos que [viram o filme] disseram: ‘este filme fala de mim’”

Essa resposta do público demonstra que o cinema de Tarkovski não é um cinema feito para intelectuais, para a crítica, para a elite, etc. É um cinema feito para todos. Não é necessário nenhum tipo de conhecimento especial para ter uma boa experiência com os seus filmes.

Só é preciso uma pequena mudança de sensibilidade.

Um cinema contemplativo

Os filmes de Tarkovski possuem um estilo único, que expressa um olhar muito raro e uma abordagem muito característica de elementos como o tempo e o espaço.

São filmes que valorizam intensamente a duração das cenas e a composição das imagens.

Nos filmes mais atuais, por exemplo, geralmente a montagem é rápida, há muitos cortes em um curto período de tempo e a câmera também se movimenta com rapidez: são recursos da linguagem cinematográfica empregados para “prender a atenção do espectador”, para provocar uma sensação de adrenalina, pois o espectador em geral já está acostumado com uma mudança contínua em seu foco de atenção.

Os filmes de Andrei Tarkovski apresentam uma proposta diferente: as cenas são longas, a câmera se movimenta lentamente e, como consequência, o número de cortes é reduzido.

O Sacrifício

É um cinema contemplativo, pois o modo como Tarkovski constrói as suas cenas convida o espectador imergir no que está acontecendo e não apenas a “acompanhar a história que está sendo contada”.

Tarkovski entendia o cinema como uma arte essencialmente visual e acreditava que cada imagem precisava ser significativa. Ele acreditava que as imagens de um filme não deveriam servir apenas para “ilustrar uma narrativa”, mas deviam apresentar um significado que tivesse um valor universal.

Por isso, em seus filmes, há uma grande valorização dos elementos da natureza (o fogo, a água, o ar e a terra) e os cenários são fundamentais para a criação de sentido (a floresta em A infância de Ivan; as igrejas em Andrei Rublev; a zona morta em Stalker; as ruínas em Nostalgia; a estação espacial em Solaris, etc.).

Aliadas às características que encontramos nos filmes, as ideias desenvolvidas por Tarkovski em seu livro Esculpir o tempo e em seus Diários ajudaram a desenvolver o cinema moderno e o inscreveram em uma posição de destaque, como um dos cineastas mais originais da história.

Uma arte em diálogo com o sagrado

Para Tarkovski, a expressão artística mais genuína não podia estar separada da experiência religiosa.

O cineasta acreditava na vida espiritual como uma condição fundamental para a realização de uma arte sincera.

Em seus diários, ele escreveu: “Ainda estamos enfermos devido a uma terrível doença, cujo nome é a falta de espiritualidade, e a doença é fatal. A humanidade fez de tudo para destruir a si mesma. Inicialmente de modo moral, e a morte física é apenas o resultado disso”.

O sacrifício

As escolhas artísticas de Tarkovski são motivadas por essa visão. Em todos os seus filmes está implícita a ideia da perda da espiritualidade em contraste com o desenvolvimento tecnológico e material que a humanidade atingiu no século XX.

Nesse sentido, os filmes de Tarkovski tinham o objetivo de fazer com que o espectador se voltasse para o lado espiritual da vida. Mesmo quando as histórias retratam situações de dor e sofrimento, como a dura realidade da guerra, a fé e a esperança aparecem como um refúgio para o homem.

O diretor russo construiu um conjunto de filmes inigualável (dois deles estão na lista de filmes recomendados pelo Vaticano), que nos convida à contemplação e nos inspira a considerar a realidade com um olhar que não se restringe ao mundo material.

***

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Andrei Arsenevich Tarkovski é reconhecidamente um dos grandes diretores da história do cinema.

Ele nasceu em 1932, em Zavrazhe, na Rússia, povoado que hoje pertence à Bielorrúsia.

Sua mãe, Mariya Vishniakova, era uma atriz de teatro. Seu pai, Arseni Tarkovski, era poeta, e viria a ficar conhecido como um dos grandes escritores da literatura russa moderna — muitos dos seus poemas aparecem nos filmes do filho, como podemos ver em cenas de O Espelho, Stalker e Nostalgia.

Depois de uma infância de constantes mudanças entre as cidades de Yurievets e Moscou — devido à separação dos pais, à eclosão da Segunda Guerra Mundial e a alguns problemas financeiros —, Andrei Tarkovski se estabeleceu com sua família em Moscou, no ano de 1943.

A Infância de Ivan

Entre 1951 e 1954, ele estudou árabe no Instituto de Língua Orientais de Moscou. Após esse curso, entrou para a famosa escola de cinema da mesma cidade, onde aprenderia os princípios da arte que aprimoraria e ajudaria a desenvolver.

Na escola de cinema, Tarkovski produziu dois filmes de curta-metragem.

Seu primeiro filme, o média-metragem O rolo compressor e o violinista, de 1960, foi apresentado como trabalho de conclusão de curso. Posteriormente, porém, o cineasta renegaria esse seu primeiro trabalho de estudante.

Aquele que Tarkovski considera, de fato, como seu primeiro filme, é A infância de Ivan, produzido em 1962.

Andrei Rublev

É com esse filme que Tarkovski inaugura a sua carreira de cineasta já maduro, o qual viria a ser reconhecido no mundo inteiro como um dos grandes artistas do século XX, e cujos filmes inspirariam milhões de pessoas dos mais variados públicos.

Tarkovski e o público

Não é raro que os filmes de Tarkovski sejam considerados difíceis ou até mesmo “chatos”, pois são filmes com uma linguagem muito diferente dos filmes de maior apelo popular com os quais o público atual está acostumado.

Contudo, quando o espectador faz um pequeno esforço para “entrar” no universo de Tarkovski, ele descobre uma nova maneira de olhar para o cinema: não mais apenas como um meio de entretenimento passageiro, mas também como uma fonte de reflexão e de beleza.

Stalker

No início do seu livro Esculpir o tempo, o cineasta compilou um conjunto de cartas que pessoas do público russo lhe enviavam após terem assistido aos seus filmes. Pessoas das mais diferentes profissões e das mais variadas classes sociais compreendiam os filmes de uma maneira muito rica e conseguiam expressar os seus sentimentos com muita propriedade.

A respeito do filme O espelho, uma espectadora escreveu a Tarkovski: “Você sabe, no escuro daquele cinema, olhando para aquele pedaço de tela iluminado pelo teu talento, senti pela primeira vez na vida que não estava sozinha”.

O espelho

Sobre o mesmo filme, um professor da cidade de Novosibirsk escreveu: “o filme é profundamente humano, honesto e relevante — tudo isso se deve ao seu autor. Todos que [viram o filme] disseram: ‘este filme fala de mim’”

Essa resposta do público demonstra que o cinema de Tarkovski não é um cinema feito para intelectuais, para a crítica, para a elite, etc. É um cinema feito para todos. Não é necessário nenhum tipo de conhecimento especial para ter uma boa experiência com os seus filmes.

Só é preciso uma pequena mudança de sensibilidade.

Um cinema contemplativo

Os filmes de Tarkovski possuem um estilo único, que expressa um olhar muito raro e uma abordagem muito característica de elementos como o tempo e o espaço.

São filmes que valorizam intensamente a duração das cenas e a composição das imagens.

Nos filmes mais atuais, por exemplo, geralmente a montagem é rápida, há muitos cortes em um curto período de tempo e a câmera também se movimenta com rapidez: são recursos da linguagem cinematográfica empregados para “prender a atenção do espectador”, para provocar uma sensação de adrenalina, pois o espectador em geral já está acostumado com uma mudança contínua em seu foco de atenção.

Os filmes de Andrei Tarkovski apresentam uma proposta diferente: as cenas são longas, a câmera se movimenta lentamente e, como consequência, o número de cortes é reduzido.

O Sacrifício

É um cinema contemplativo, pois o modo como Tarkovski constrói as suas cenas convida o espectador imergir no que está acontecendo e não apenas a “acompanhar a história que está sendo contada”.

Tarkovski entendia o cinema como uma arte essencialmente visual e acreditava que cada imagem precisava ser significativa. Ele acreditava que as imagens de um filme não deveriam servir apenas para “ilustrar uma narrativa”, mas deviam apresentar um significado que tivesse um valor universal.

Por isso, em seus filmes, há uma grande valorização dos elementos da natureza (o fogo, a água, o ar e a terra) e os cenários são fundamentais para a criação de sentido (a floresta em A infância de Ivan; as igrejas em Andrei Rublev; a zona morta em Stalker; as ruínas em Nostalgia; a estação espacial em Solaris, etc.).

Aliadas às características que encontramos nos filmes, as ideias desenvolvidas por Tarkovski em seu livro Esculpir o tempo e em seus Diários ajudaram a desenvolver o cinema moderno e o inscreveram em uma posição de destaque, como um dos cineastas mais originais da história.

Uma arte em diálogo com o sagrado

Para Tarkovski, a expressão artística mais genuína não podia estar separada da experiência religiosa.

O cineasta acreditava na vida espiritual como uma condição fundamental para a realização de uma arte sincera.

Em seus diários, ele escreveu: “Ainda estamos enfermos devido a uma terrível doença, cujo nome é a falta de espiritualidade, e a doença é fatal. A humanidade fez de tudo para destruir a si mesma. Inicialmente de modo moral, e a morte física é apenas o resultado disso”.

O sacrifício

As escolhas artísticas de Tarkovski são motivadas por essa visão. Em todos os seus filmes está implícita a ideia da perda da espiritualidade em contraste com o desenvolvimento tecnológico e material que a humanidade atingiu no século XX.

Nesse sentido, os filmes de Tarkovski tinham o objetivo de fazer com que o espectador se voltasse para o lado espiritual da vida. Mesmo quando as histórias retratam situações de dor e sofrimento, como a dura realidade da guerra, a fé e a esperança aparecem como um refúgio para o homem.

O diretor russo construiu um conjunto de filmes inigualável (dois deles estão na lista de filmes recomendados pelo Vaticano), que nos convida à contemplação e nos inspira a considerar a realidade com um olhar que não se restringe ao mundo material.

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