A história por trás do filme “A felicidade não se compra”
Por Leandro Costa
|
15.dez.2021
Midle Dot

Quando realizou A felicidade não se compra, em 1946, Frank Capra já era um cineasta renomado. Além de ganhar Oscar de melhor diretor em 1939, ele havia desenvolvido um estilo próprio, que era facilmente reconhecido pelos espectadores.

Contudo, esse filme — que não obteve tanto sucesso na época de sua estreia — viria a se tornar o mais aclamado de toda a filmografia de Capra. O instituto de cinema americano (AFI), por exemplo, o reconheceu como o filme mais inspirador da história dos Estados Unidos.

Dona Reed e James Stewart em cena do filme "A felicidade não se compra".
James Stewart e Dona Reed em A felicidade não se compra

Assistir ao filme em família se transformou numa tradição natalina, compartilhada por milhões de pessoas que, todos os anos, aumentam os pontos de audiência das emissoras que o exibem.

Pensando nisso, reunimos abaixo algumas informações a respeito do filme que ajudam na compreensão dos seus significados e no conhecimento dos objetivos que motivaram a sua produção.

1. Uma história que ninguém quis publicar

A felicidade não se compra é baseado em um conto do escritor Philip Van Doren Stern. Van Doren havia tentado publicar a sua história, mas nenhuma editora ou revista a aceitara. Então ele decidiu publicá-la em um cartão de Natal, no ano de 1945, pois pensou que assim ela poderia atingir muitas pessoas.

A estratégia deu certo: o ator Cary Grant, que na época mantinha um contrato com o estúdio RKO, comprou os direitos da história com o intuito de oferecê-la ao estúdio para a produção de um filme, que teria Grant no papel principal.

Foto de bastidores do filme "A felicidade não se compra", com o diretor Frank Capra e o ator James Stewart
Frank Capra e James Stewart no set de A felicidade não se compra

Mais tarde, porém, a Liberty Films — produtora recém-criada por Capra, George Stevens e William Wyller — comprou os direitos para adaptar a história. A produção teria Capra na direção; e, em vez de Grant, Capra chamaria seu colaborador de longa data, James Stewart, para ser o protagonista.

2. O retorno de Jim Stewart

Em 1945, James Stewart também já era um ator muito conhecido, principalmente por filmes como O sétimo céu (1937), de Henry King, A loja da esquina (1940), de Ernst Lubitsch, Núpcias de um escândalo (1940), de George Cukor e Do mundo nada se leva (1938), do próprio Frank Capra.

Contudo, Stewart interrompeu a sua carreira para servir na Segunda Guerra Mundial como comandante em um batalhão da força aérea americana. Após o fim da guerra, ele voltou desiludido com a carreira de ator, pois achava que, frente à dura realidade que havia testemunhado na guerra, atuar era uma profissão superficial, que talvez não fizesse mais muito sentido.

O ator James Stewart sendo condecorado depois de sua atuação na guerra.
James Stewart sendo condecorado

Ele aceitou o convite de Frank Capra, mas muitas vezes esteve hesitante quanto à continuidade do projeto. Foi o ator Lionel Barrymore (que interpreta o Sr. Potter em A felicidade não se compra) que motivou Stewart a entregar-se completamente àquela que viria a ser uma das interpretações mais marcantes da sua carreira. Em uma de suas entrevistas, Stewart relata como as palavras de Barrymore o motivaram:

“Eu não estava convencido de que fazer filmes e atuar eram coisas assim tão importantes, pois eu tinha acabado de voltar da guerra. Talvez Barrymore tenha sentido algo. Ele realmente ajudou a me motivar. Eu perguntei a ele se atuar era algo decente. E ele disse: ‘é mais decente jogar bomba nas pessoas ou trazer para elas um raio de luz com a tua atuação?’ Ele estava certo!”

Stewart traz toda a densidade acumulada durante os anos de guerra para a criação do personagem George Bailey. Nas nuances de sua atuação, que equilibra muito bem momentos cômicos com momentos trágicos, está a experiência de alguém que havia visto as piores atrocidades e que estivera à beira da morte em várias situações.

3. Uma mensagem de esperança

Assim como Stewart, o diretor Frank Capra também havia servido na Segunda Guerra Mundial. Além disso, ele foi um dos principais propagandistas do governo americano na época da guerra. Capra é o produtor da série de documentários Why we fight, que retrata vários episódios do conflito, e foi encomendada pelo governo para motivar os americanos a alistarem-se no exército.  

Portanto, quando voltou da Guerra, o cineasta também trazia consigo a memória de experiências terríveis. E por esse motivo ele decidiu fazer filmes que fossem inspiradores; decidiu contar histórias que, após todos os terrores e mortes que aquele conflito provocara, fizessem com que as pessoas valorizassem novamente a vida, encarando-a de modo positivo e esperançoso.

Dona Reed em cena do filme "A felicidade não se compra", de Frank Capra
Dona Reed em cena de A felicidade não se compra

Nos filmes anteriores de Capra já havia uma imagem positiva do ser humano e a afirmação de bons valores, mas em A felicidade não se compra essas características foram acentuadas.

Não é à toa que A felicidade não se compra era o filme favorito do cineasta. Além do objetivo de trazer essa nova perspectiva humana para um mundo que estava “em ruínas”, é um filme extremamente bem acabado do ponto de vista artístico, com atuações inspiradas, diálogos marcantes, direção de arte inovadora para a época e várias cenas inesquecíveis.  Capra acreditava que o filme era a síntese de sua obra, pois combinava excelência artística com a feliz expressão da sua visão de mundo.

4. Uma arte pessoal

O principal objetivo da arte de Capra era o de revelar o valor que a vida de cada pessoa tem aos olhos de Deus e dentro do mundo. Ele faz parte daquele grupo de cineastas que conseguiram expressar sua visão individual dentro de uma arte que é essencialmente coletiva e que nasceu para ser, principalmente, um veículo de entretenimento e de manipulação das massas.

Assim, o próprio desenvolvimento da sua obra reflete a visão que o cineasta mantinha a respeito do poder do indivíduo. Ele se opunha a todo tipo de massificação — e, nesse sentido, a criação da Liberty Films foi uma tentativa de trabalhar tendo o máximo controle da produção cinematográfica. Em uma de suas entrevistas, ele declarou:

Sou contra o entretenimento de massa, contra a produção de massa, a educação de massa e tudo o que tenha a ver com a ‘massa’. Principalmente contra o homem-massa [ou o homem massificado]. De certa forma, sempre lutei pela preservação da liberdade do indivíduo contra a massa”.

O cineasta Frank Capra recebendo o prêmio Oscar - Lumine TV
Frank Capra na cerimônia do Oscar de 1935

E é por esse motivo — pela personalidade artística do cineasta e pela ênfase de sua obra na singularidade de cada indivíduo — que, ao falar da história de A felicidade não se compra é preciso falar também da história do próprio Frank Capra, de como a sua vida moldou a sua visão a respeito das coisas.

Italiano cuja família imigrou para a América em busca de melhores condições de sobrevivência, Capra testemunhou durante a sua vida vários episódios em que a ação individual foi determinante para influenciar o curso dos acontecimentos e a vida das outras pessoas.

5. A importância do indivíduo

A intenção de mostrar o valor do indivíduo e da personalidade é explícita em A felicidade não se compra. O filme inteiro tem uma atmosfera ligeiramente sombria, mas o mundo sem a presença de George Bailey é ainda mais sombrio — a sua ausência fez com que muitas pessoas tivessem um destino ainda mais triste do que quando Bailey “estava vivo”. É óbvio que Capra não se esquece de mostrar também a importância da comunidade e da solidariedade, mas o valor do indivíduo é o seu tema principal.

O modo como o próprio cineasta explica a visão que ele tinha da importância do indivíduo merece ser citado, pois demonstra a sua consciência a respeito da criação artística. Numa palestra na Universidade de Columbia, Capra disse:

“O indivíduo é a coisa mais importante na vida. Nunca houve ninguém como você. E nunca nascerá outra pessoa igual a você. Você já parou para pensar em como isso te faz único e no quanto você é importante? No meio de todos os elementos que há no mundo, só existe apenas um de você. Essa singularidade é o que mais se aproxima da harmonia entre Deus e a natureza.”

James Stewart em cena do filme "A felicidade não se compra" - Lumine TV

Em A felicidade não se compra, Capra consegue levar o espectador a refletir a respeito dessa singularidade e de como a vida de cada indivíduo é importante para a sua família, para a sua comunidade, para si mesmo e para Deus.

Quando o mundo se erguia das cinzas e terminava de enterrar os milhões de mortos deixados pela guerra, o cineasta ítalo-americano produziu uma história que afirmava o valor da vida. Uma obra-prima da arte do cinema, profundamente cativante e inspiradora.

***

A Felicidade não se compra está disponível na Lumine. Assine a plataforma e assista ao filme agora mesmo.

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Quando realizou A felicidade não se compra, em 1946, Frank Capra já era um cineasta renomado. Além de ganhar Oscar de melhor diretor em 1939, ele havia desenvolvido um estilo próprio, que era facilmente reconhecido pelos espectadores.

Contudo, esse filme — que não obteve tanto sucesso na época de sua estreia — viria a se tornar o mais aclamado de toda a filmografia de Capra. O instituto de cinema americano (AFI), por exemplo, o reconheceu como o filme mais inspirador da história dos Estados Unidos.

Dona Reed e James Stewart em cena do filme "A felicidade não se compra".
James Stewart e Dona Reed em A felicidade não se compra

Assistir ao filme em família se transformou numa tradição natalina, compartilhada por milhões de pessoas que, todos os anos, aumentam os pontos de audiência das emissoras que o exibem.

Pensando nisso, reunimos abaixo algumas informações a respeito do filme que ajudam na compreensão dos seus significados e no conhecimento dos objetivos que motivaram a sua produção.

1. Uma história que ninguém quis publicar

A felicidade não se compra é baseado em um conto do escritor Philip Van Doren Stern. Van Doren havia tentado publicar a sua história, mas nenhuma editora ou revista a aceitara. Então ele decidiu publicá-la em um cartão de Natal, no ano de 1945, pois pensou que assim ela poderia atingir muitas pessoas.

A estratégia deu certo: o ator Cary Grant, que na época mantinha um contrato com o estúdio RKO, comprou os direitos da história com o intuito de oferecê-la ao estúdio para a produção de um filme, que teria Grant no papel principal.

Foto de bastidores do filme "A felicidade não se compra", com o diretor Frank Capra e o ator James Stewart
Frank Capra e James Stewart no set de A felicidade não se compra

Mais tarde, porém, a Liberty Films — produtora recém-criada por Capra, George Stevens e William Wyller — comprou os direitos para adaptar a história. A produção teria Capra na direção; e, em vez de Grant, Capra chamaria seu colaborador de longa data, James Stewart, para ser o protagonista.

2. O retorno de Jim Stewart

Em 1945, James Stewart também já era um ator muito conhecido, principalmente por filmes como O sétimo céu (1937), de Henry King, A loja da esquina (1940), de Ernst Lubitsch, Núpcias de um escândalo (1940), de George Cukor e Do mundo nada se leva (1938), do próprio Frank Capra.

Contudo, Stewart interrompeu a sua carreira para servir na Segunda Guerra Mundial como comandante em um batalhão da força aérea americana. Após o fim da guerra, ele voltou desiludido com a carreira de ator, pois achava que, frente à dura realidade que havia testemunhado na guerra, atuar era uma profissão superficial, que talvez não fizesse mais muito sentido.

O ator James Stewart sendo condecorado depois de sua atuação na guerra.
James Stewart sendo condecorado

Ele aceitou o convite de Frank Capra, mas muitas vezes esteve hesitante quanto à continuidade do projeto. Foi o ator Lionel Barrymore (que interpreta o Sr. Potter em A felicidade não se compra) que motivou Stewart a entregar-se completamente àquela que viria a ser uma das interpretações mais marcantes da sua carreira. Em uma de suas entrevistas, Stewart relata como as palavras de Barrymore o motivaram:

“Eu não estava convencido de que fazer filmes e atuar eram coisas assim tão importantes, pois eu tinha acabado de voltar da guerra. Talvez Barrymore tenha sentido algo. Ele realmente ajudou a me motivar. Eu perguntei a ele se atuar era algo decente. E ele disse: ‘é mais decente jogar bomba nas pessoas ou trazer para elas um raio de luz com a tua atuação?’ Ele estava certo!”

Stewart traz toda a densidade acumulada durante os anos de guerra para a criação do personagem George Bailey. Nas nuances de sua atuação, que equilibra muito bem momentos cômicos com momentos trágicos, está a experiência de alguém que havia visto as piores atrocidades e que estivera à beira da morte em várias situações.

3. Uma mensagem de esperança

Assim como Stewart, o diretor Frank Capra também havia servido na Segunda Guerra Mundial. Além disso, ele foi um dos principais propagandistas do governo americano na época da guerra. Capra é o produtor da série de documentários Why we fight, que retrata vários episódios do conflito, e foi encomendada pelo governo para motivar os americanos a alistarem-se no exército.  

Portanto, quando voltou da Guerra, o cineasta também trazia consigo a memória de experiências terríveis. E por esse motivo ele decidiu fazer filmes que fossem inspiradores; decidiu contar histórias que, após todos os terrores e mortes que aquele conflito provocara, fizessem com que as pessoas valorizassem novamente a vida, encarando-a de modo positivo e esperançoso.

Dona Reed em cena do filme "A felicidade não se compra", de Frank Capra
Dona Reed em cena de A felicidade não se compra

Nos filmes anteriores de Capra já havia uma imagem positiva do ser humano e a afirmação de bons valores, mas em A felicidade não se compra essas características foram acentuadas.

Não é à toa que A felicidade não se compra era o filme favorito do cineasta. Além do objetivo de trazer essa nova perspectiva humana para um mundo que estava “em ruínas”, é um filme extremamente bem acabado do ponto de vista artístico, com atuações inspiradas, diálogos marcantes, direção de arte inovadora para a época e várias cenas inesquecíveis.  Capra acreditava que o filme era a síntese de sua obra, pois combinava excelência artística com a feliz expressão da sua visão de mundo.

4. Uma arte pessoal

O principal objetivo da arte de Capra era o de revelar o valor que a vida de cada pessoa tem aos olhos de Deus e dentro do mundo. Ele faz parte daquele grupo de cineastas que conseguiram expressar sua visão individual dentro de uma arte que é essencialmente coletiva e que nasceu para ser, principalmente, um veículo de entretenimento e de manipulação das massas.

Assim, o próprio desenvolvimento da sua obra reflete a visão que o cineasta mantinha a respeito do poder do indivíduo. Ele se opunha a todo tipo de massificação — e, nesse sentido, a criação da Liberty Films foi uma tentativa de trabalhar tendo o máximo controle da produção cinematográfica. Em uma de suas entrevistas, ele declarou:

Sou contra o entretenimento de massa, contra a produção de massa, a educação de massa e tudo o que tenha a ver com a ‘massa’. Principalmente contra o homem-massa [ou o homem massificado]. De certa forma, sempre lutei pela preservação da liberdade do indivíduo contra a massa”.

O cineasta Frank Capra recebendo o prêmio Oscar - Lumine TV
Frank Capra na cerimônia do Oscar de 1935

E é por esse motivo — pela personalidade artística do cineasta e pela ênfase de sua obra na singularidade de cada indivíduo — que, ao falar da história de A felicidade não se compra é preciso falar também da história do próprio Frank Capra, de como a sua vida moldou a sua visão a respeito das coisas.

Italiano cuja família imigrou para a América em busca de melhores condições de sobrevivência, Capra testemunhou durante a sua vida vários episódios em que a ação individual foi determinante para influenciar o curso dos acontecimentos e a vida das outras pessoas.

5. A importância do indivíduo

A intenção de mostrar o valor do indivíduo e da personalidade é explícita em A felicidade não se compra. O filme inteiro tem uma atmosfera ligeiramente sombria, mas o mundo sem a presença de George Bailey é ainda mais sombrio — a sua ausência fez com que muitas pessoas tivessem um destino ainda mais triste do que quando Bailey “estava vivo”. É óbvio que Capra não se esquece de mostrar também a importância da comunidade e da solidariedade, mas o valor do indivíduo é o seu tema principal.

O modo como o próprio cineasta explica a visão que ele tinha da importância do indivíduo merece ser citado, pois demonstra a sua consciência a respeito da criação artística. Numa palestra na Universidade de Columbia, Capra disse:

“O indivíduo é a coisa mais importante na vida. Nunca houve ninguém como você. E nunca nascerá outra pessoa igual a você. Você já parou para pensar em como isso te faz único e no quanto você é importante? No meio de todos os elementos que há no mundo, só existe apenas um de você. Essa singularidade é o que mais se aproxima da harmonia entre Deus e a natureza.”

James Stewart em cena do filme "A felicidade não se compra" - Lumine TV

Em A felicidade não se compra, Capra consegue levar o espectador a refletir a respeito dessa singularidade e de como a vida de cada indivíduo é importante para a sua família, para a sua comunidade, para si mesmo e para Deus.

Quando o mundo se erguia das cinzas e terminava de enterrar os milhões de mortos deixados pela guerra, o cineasta ítalo-americano produziu uma história que afirmava o valor da vida. Uma obra-prima da arte do cinema, profundamente cativante e inspiradora.

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