O russo Andrei Arsenevich Tarkovski é reconhecidamente um dos grandes diretores da história do cinema.
Ele nasceu em 1932, em Zavrazhe, na Rússia, povoado que hoje pertence à Bielorrúsia.
Sua mãe, Mariya Vishniakova, era uma atriz de teatro. Seu pai, Arseni Tarkovski, era poeta, e viria a ficar conhecido como um dos grandes escritores da literatura russa moderna — muitos dos seus poemas aparecem nos filmes do filho: como podemos ver em cenas de O Espelho, Stalker e Nostalgia.
Depois de uma infância de constantes mudanças entre as cidades de Yurievets e Moscou — devido à separação dos pais, à eclosão da Segunda Guerra Mundial e a alguns problemas financeiros —, Andrei Tarkovski se estabeleceu com sua família em Moscou, no ano de 1943.
Entre 1951 e 1954, ele estudou árabe no Instituto de Língua Orientais de Moscou. Após esse curso, entrou para a famosa escola de cinema da mesma cidade, onde aprenderia os princípios da arte que aprimoraria e ajudaria a desenvolver.
Na escola de cinema, Tarkovski produziu dois filmes de curta-metragem.
Seu primeiro filme, o média-metragem O rolo compressor e o violinista, de 1960, foi apresentado como trabalho de conclusão de curso. Posteriormente, porém, o cineasta renegaria esse seu primeiro trabalho de estudante.
Aquele que Tarkovski considera, de fato, como seu primeiro filme, é A infância de Ivan, produzido em 1962.
É com esse filme que Tarkovski inaugura a sua carreira de cineasta já maduro, o qual viria a ser reconhecido no mundo inteiro como um dos grandes artistas do século XX, e cujos filmes inspirariam milhões de pessoas dos mais variados públicos.
Tarkovski e o público
Não é raro que os filmes de Tarkovski sejam considerados difíceis ou até mesmo “chatos”, pois são filmes com uma linguagem muito diferente dos filmes de maior apelo popular com os quais o público atual está acostumado.
Contudo, quando o espectador faz um pequeno esforço para “entrar” no universo de Tarkovski, ele descobre uma nova maneira de olhar para o cinema: não mais apenas como um meio de entretenimento passageiro, mas também como uma fonte de reflexão e de beleza.
No início do seu livro Esculpir o tempo, o cineasta compilou um conjunto de cartas que pessoas do público russo lhe enviavam após terem assistido aos seus filmes. Pessoas das mais diferentes profissões e das mais variadas classes sociais compreendiam os filmes de uma maneira muito rica e conseguiam expressar os seus sentimentos com muita propriedade.
A respeito do filme O espelho, uma espectadora escreveu a Tarkovski: “Você sabe, no escuro daquele cinema, olhando para aquele pedaço de tela iluminado pelo teu talento, senti pela primeira vez na vida que não estava sozinha”.
Sobre o mesmo filme, um professor da cidade de Novosibirsk escreveu: “o filme é profundamente humano, honesto e relevante — tudo isso se deve ao seu autor. Todos que [viram o filme] disseram: ‘este filme fala de mim’”.
Essa resposta do público demonstra que o cinema de Tarkovski não é um cinema feito para intelectuais, para a crítica, para a elite, etc. É um cinema feito para todos. Não é necessário nenhum tipo de conhecimento especial para ter uma boa experiência com os seus filmes.
Só é preciso uma pequena mudança de sensibilidade.
Um cinema contemplativo
Os filmes de Tarkovski possuem um estilo único, que expressa um olhar muito raro e uma abordagem muito característica de elementos como o tempo e o espaço.
São filmes que valorizam intensamente a duração das cenas e a composição das imagens.
Nos filmes mais atuais, por exemplo, geralmente a montagem é rápida, há muitos cortes em um curto período de tempo e a câmera também se movimenta com rapidez: são recursos da linguagem cinematográfica empregados para “prender a atenção do espectador”, para provocar uma sensação de adrenalina, pois o espectador em geral já está acostumado com uma mudança contínua em seu foco de atenção.
Os filmes de Andrei Tarkovski apresentam uma proposta diferente: as cenas são longas, a câmera se movimenta lentamente e, como consequência, o número de cortes é reduzido.
É um cinema contemplativo, pois o modo como Tarkovski constrói as suas cenas convida o espectador imergir no que está acontecendo e não apenas a “acompanhar a história que está sendo contada”.
Tarkovski entendia o cinema como uma arte essencialmente visual e acreditava que cada imagem precisava ser significativa. E não apenas no sentido de “explicar a narrativa”, mas de possuir um significado que tivesse um valor universal.
Por isso, em seus filmes, há uma grande valorização dos elementos da natureza (o fogo, a água, o ar e a terra) e os cenários são fundamentais para a criação de sentido (a floresta em A infância de Ivan; as igrejas em Andrei Rublev; a zona morta em Stalker; as ruínas em Nostalgia; a estação espacial em Solaris, etc.).
Aliadas às características que encontramos nos filmes, as ideias desenvolvidas por Tarkovski em seu livro Esculpir o tempo e em seus Diários ajudaram a desenvolver o cinema moderno e o inscreveram em uma posição de destaque, como um dos cineastas mais originais da história.
Uma arte em diálogo com o sagrado
Para Tarkovski, a expressão artística mais genuína não podia estar separada da experiência religiosa.
O cineasta acreditava na vida espiritual como uma condição fundamental para a realização de uma arte sincera.
Em seus diários, ele escreveu: “Ainda estamos enfermos devido a uma terrível doença, cujo nome é a falta de espiritualidade, e a doença é fatal. A humanidade fez de tudo para destruir a si mesma. Inicialmente de modo moral, e a morte física é apenas o resultado disso”.
As escolhas artísticas de Tarkovski são motivadas por essa visão. Em todos os seus filmes está implícita a ideia da perda da espiritualidade em contraste com o desenvolvimento tecnológico e material que a humanidade atingiu no século XX.
Nesse sentido, os filmes de Tarkovski tinham o objetivo de fazer com que o espectador se voltasse para o lado espiritual da vida. Mesmo quando as histórias retratam situações de dor e sofrimento, como a dura realidade da guerra, a fé e a esperança aparecem como um refúgio para o homem.
O diretor russo construiu um conjunto de filmes inigualável (dois deles estão na lista de filmes recomendados pelo Vaticano), que nos convida à contemplação e nos inspira a considerar a realidade com um olhar que não se restringe ao mundo material.
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