Desconcerto de Natal 
Por Matheus Bazzo
|
24.dez.2024
Midle Dot

Vivemos em um mundo descrente, mas que sofre convulsões de crenças esquecidas. Acarreta que datas como o Natal geram uma ebulição de sentimentos e memórias que muitas vezes não conseguimos ordenar para dar o devido sentido. A confusão dos dias e a complexidade dos problemas em que estamos inseridos nos arrasta para a constante distração e falta de centralidade. Mas um sentimento me parece ser comum a todos. Ele é a expectativa de que a data do Natal irá mudar súbita e decididamente nossas vidas. Todos dividimos uma certa ansiedade e angústia frente a essa possibilidade. Minha vida irá mudar, eu não me preparei para isso, eu não sei o que será dela depois dessa data.

Mas o que exatamente irá mudar? Como não sabemos e temos poucas pistas para descobrir, nossa primeira suspeita é de que a mudança precisa ser estabelecida nas coisas mais evidentes: a injustiça do mundo. Rapidamente adquirimos o sentimento de que muitas injustiças acontecem à nossa volta e de que nós mesmos somos constantemente injustiçados. Porém, como passamos todos os anos por essa data e nunca vimos a mudança social e civilizacional súbita, logo nos damos conta de que quem precisa mudar somos nós mesmos. E é aí, em nós mesmos, que mora a pior das angústias.

O homem inconscientemente suspeita que o nascimento de Deus significa o nascimento de Alguém onisciente, onipresente e onipotente. Isso quer dizer que Ele sabe todas as injustiças (praticadas ou omitidas) que cometemos.Pensamentos, palavras, atos e omissões. Nascerá a testemunha de toda a nossa crueldade interior. O Natal gera a suspeita no homem de que está prestes a nascer o seu carrasco. Aquele que é capaz de julgá-lo e condená-lo pois sabe tudo sobre sua vida.

Antes do nascimento de Deus, somos inevitavelmente conduzidos por um exercício meramente imaginativo sobre quem Ele é. Virá o Homem capaz de mudar minha vida, mas Ele é também o Homem capaz de me condenar para sempre. Quem em uma situação dessas não se sentiria angustiado e ansioso?

Eis então o grande desconcerto da história:

Esse Deus que tem todo o poder e direito de me condenar decide deliberadamente nascer em um lugar desprovido de qualquer segurança, nas mãos de uma mãe indefesa e de um pai pobre

Ao olhar humano, fosse o grande inquisidor do mundo entrar para a história, deveria ter vindo como um grande general, com habilidosos soldados ao seu dispor, ou como um grande ser iluminado que vive apartado da realidade quotidiana. As outras religiões que me tolerem, mas quando Deus decide nascer ele não precisa provar sua força com armas e habilidades místicas – apesar de poder fazer isso se quisesse. A Ele, a pobreza da família é mais do que o suficiente. Porque não veio ao mundo para condená-lo, mas para que tenhamos vida eterna.

Nossa imaginação arrogante e presunçosa enche-se de angústia na espera do nascimento do justiceiro do mundo. Lá vem Ele envolto em panos, pobre e pequeno nas mãos de uma jovem mulher. Seus inimigos poderiam matá-lo facilmente nessa situação. Tanto que Herodes mandou seus soldados matarem milhares de crianças na noite anterior. Herodes se deixou levar pela ansiedade do nascimento do Homem que iria julgá-lo. Mas tivesse esperado. Tivesse esperado um dia, uma noite. Veria Deus nascer de forma ridícula. Ridícula aos olhos dos homens. Perfeita sob a ótica do próprio Deus que nos ama.

O nascimento de Jesus desperta então esse olhar absolutamente novo sobre a realidade. 

Seus pequenos olhos infantis nos miram como se dissessem: “Eu posso, mas não preciso te condenar. Eu posso, mas não preciso usar minha força contra você. Eu quero apenas tua rendição voluntária porque Eu te amo.” 

Nosso anseio pela justiça divina e nossa angústia pela própria condenação caem por terra diante de um bebê. Em um ato quase cômico, o Salvador do Mundo, nasce feito bebê inocente para depois ser condenado e morto. Nasce pobre para provar que nossa pobreza não existe. Morre e sofre para provar que nossa morte e sofrimento também não existem. “Onde está, ó morte, a tua vitória?” A morte sucumbe aos pés de um bebezinho.


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Vivemos em um mundo descrente, mas que sofre convulsões de crenças esquecidas. Acarreta que datas como o Natal geram uma ebulição de sentimentos e memórias que muitas vezes não conseguimos ordenar para dar o devido sentido. A confusão dos dias e a complexidade dos problemas em que estamos inseridos nos arrasta para a constante distração e falta de centralidade. Mas um sentimento me parece ser comum a todos. Ele é a expectativa de que a data do Natal irá mudar súbita e decididamente nossas vidas. Todos dividimos uma certa ansiedade e angústia frente a essa possibilidade. Minha vida irá mudar, eu não me preparei para isso, eu não sei o que será dela depois dessa data.

Mas o que exatamente irá mudar? Como não sabemos e temos poucas pistas para descobrir, nossa primeira suspeita é de que a mudança precisa ser estabelecida nas coisas mais evidentes: a injustiça do mundo. Rapidamente adquirimos o sentimento de que muitas injustiças acontecem à nossa volta e de que nós mesmos somos constantemente injustiçados. Porém, como passamos todos os anos por essa data e nunca vimos a mudança social e civilizacional súbita, logo nos damos conta de que quem precisa mudar somos nós mesmos. E é aí, em nós mesmos, que mora a pior das angústias.

O homem inconscientemente suspeita que o nascimento de Deus significa o nascimento de Alguém onisciente, onipresente e onipotente. Isso quer dizer que Ele sabe todas as injustiças (praticadas ou omitidas) que cometemos.Pensamentos, palavras, atos e omissões. Nascerá a testemunha de toda a nossa crueldade interior. O Natal gera a suspeita no homem de que está prestes a nascer o seu carrasco. Aquele que é capaz de julgá-lo e condená-lo pois sabe tudo sobre sua vida.

Antes do nascimento de Deus, somos inevitavelmente conduzidos por um exercício meramente imaginativo sobre quem Ele é. Virá o Homem capaz de mudar minha vida, mas Ele é também o Homem capaz de me condenar para sempre. Quem em uma situação dessas não se sentiria angustiado e ansioso?

Eis então o grande desconcerto da história:

Esse Deus que tem todo o poder e direito de me condenar decide deliberadamente nascer em um lugar desprovido de qualquer segurança, nas mãos de uma mãe indefesa e de um pai pobre

Ao olhar humano, fosse o grande inquisidor do mundo entrar para a história, deveria ter vindo como um grande general, com habilidosos soldados ao seu dispor, ou como um grande ser iluminado que vive apartado da realidade quotidiana. As outras religiões que me tolerem, mas quando Deus decide nascer ele não precisa provar sua força com armas e habilidades místicas – apesar de poder fazer isso se quisesse. A Ele, a pobreza da família é mais do que o suficiente. Porque não veio ao mundo para condená-lo, mas para que tenhamos vida eterna.

Nossa imaginação arrogante e presunçosa enche-se de angústia na espera do nascimento do justiceiro do mundo. Lá vem Ele envolto em panos, pobre e pequeno nas mãos de uma jovem mulher. Seus inimigos poderiam matá-lo facilmente nessa situação. Tanto que Herodes mandou seus soldados matarem milhares de crianças na noite anterior. Herodes se deixou levar pela ansiedade do nascimento do Homem que iria julgá-lo. Mas tivesse esperado. Tivesse esperado um dia, uma noite. Veria Deus nascer de forma ridícula. Ridícula aos olhos dos homens. Perfeita sob a ótica do próprio Deus que nos ama.

O nascimento de Jesus desperta então esse olhar absolutamente novo sobre a realidade. 

Seus pequenos olhos infantis nos miram como se dissessem: “Eu posso, mas não preciso te condenar. Eu posso, mas não preciso usar minha força contra você. Eu quero apenas tua rendição voluntária porque Eu te amo.” 

Nosso anseio pela justiça divina e nossa angústia pela própria condenação caem por terra diante de um bebê. Em um ato quase cômico, o Salvador do Mundo, nasce feito bebê inocente para depois ser condenado e morto. Nasce pobre para provar que nossa pobreza não existe. Morre e sofre para provar que nossa morte e sofrimento também não existem. “Onde está, ó morte, a tua vitória?” A morte sucumbe aos pés de um bebezinho.


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