O Natal é uma das narrativas mais revisitadas da cultura ocidental, mas poucas vezes é tratado com a complexidade que carrega: a de um Deus que escolhe se encarnar e entrar na história humana. Filho de Deus, Menino Meu parte exatamente desse ponto. A obra é uma recriação cênica do texto original de Emmir Nogueira, profundamente enraizado no carisma da Comunidade Católica Shalom.
À frente da adaptação para o audiovisual está Wilde Fábio, roteirista e diretor que assumiu o desafio de traduzir a encarnação em cena. Nesta entrevista, ele compartilha o percurso criativo por trás da obra e oferece uma leitura madura sobre o Natal como experiência viva.
Redação Lumine: O texto original de Emmir Nogueira é muito querido e conhecido. Como foi o processo de ‘tocar’ nessa obra? Houve algum trecho ou cena que você sentiu que precisava ser reinventada para que funcionasse na tela, sem perder a essência?
Wilde Fábio: O livro da Emmir é muito focado no contexto histórico da cultura judaica e possui uma linguagem deliciosa para a leitura. Porém, ao transformá-lo em obra audiovisual e dramaturgia, precisei imprimir uma nova dinâmica. O texto lido conta com o imaginário; o texto encenado exige movimento, música e dança para conquistar o olhar.
A principal mudança foi a criação da Trupe da Encarnação. No livro não há essa carroça de teatro que percorre os lugares escuros do mundo para fazer o sol nascer através de um espetáculo. Esse foi o recurso que usamos para dar dramaticidade. Buscamos ser tão fiéis que, em certo momento, a trupe faz uma “nota de rodapé” em cena: explicamos por que no livro não há a cena da Anunciação com o anjo — que a Emmir concebeu como um processo interior — mas que no palco ganha a sua própria visualidade.
Redação Lumine: A peça é muito famosa por misturar profundidade com humor. No roteiro, como você modulou o humor para que ele não diminuísse a grandiosidade da história nem quebrasse a atmosfera de oração, mas servisse como uma porta de entrada para o mistério do Natal?
Wilde Fábio: Quando nós pensamos em fazer “O Filho de Deus, Menino Meu”, uma das grandes questões era: como contar uma história que já foi contada mil vezes de uma forma original? Normalmente, quando a gente toca no religioso, toca com muito respeito e, às vezes, até com uma dose de dramaticidade. Então, a primeira coisa que eu pensei foi: vamos tornar o musical leve. Vamos tornar o musical leve porque o humor abre o coração das pessoas. O humor também é capaz de vencer resistências. Dentro dessa dinâmica, o espetáculo foi pensado para que, através do humor, se vençam essas reservas, essas barreiras que normalmente a gente tem diante de uma obra. E, a partir disso, se abram caminhos para que a pessoa possa se entregar ainda mais à experiência emocional. A outra coisa em que eu acredito muito é que, quando você pega o roteiro de um espetáculo, o humor é feito naquilo que é periférico. Aquilo que é essencial é preservado, não é tocado, é respeitado. E acredito que isso é o que dá o equilíbrio.
Redação Lumine: O título da obra traz uma ideia de posse muito forte: ‘Menino Meu’. Durante o processo de roteirização e revisão, você sentiu que, em algum momento, o Menino Jesus deixou de ser apenas um personagem da história e se tornou, de fato, ‘seu’? Enquanto escrevia, houve alguma cena que te levou à conversão?
Wilde Fábio: A Encarnação sempre me desafiou: um Deus onipotente que se esvazia para ser um menino. Ao compor a música “O Verdadeiro Deus da Carne”, que embala o nascimento, Maria e José cantam sobre esse “doce abaixar-se”. A imagem de um Deus frágil quebra o meu coração. Jesus se fez homem para ser entregue nos nossos braços; por isso a propriedade do “meu” é tão forte.
Do ponto de vista dramático, a cena que mais me confrontou foi o Massacre dos Inocentes. Quando Raquel canta para Maria que “era para o meu menino a morte que o teu filho irá beber”, lembramos que o presépio já aponta para a Cruz. É de uma força esmagadora perceber que a vida de Cristo é, desde o início, uma entrega total. Isso é de uma força esmagadora.
Redação Lumine: Depois de mergulhar tão fundo no roteiro deste espetáculo, o seu Natal mudou? Existe algo no mistério da Encarnação que você só compreendeu agora, ao ter que colocar em palavras para os atores?
Wilde Fábio: Sim, principalmente quando eu percebi que o mistério da encarnação envolve o homem inteiro. O homem inteiro, em todas as suas potências, em todo o seu corpo, em sua psique, em sua alma; que envolve a arte, envolve a dança, envolve o teatro, envolve a música em diversos estilos. Não existe nada no homem que não seja assumido por Cristo. Ele, ao se encarnar, assumiu o ser humano em tudo. E isso me deu outra visão do homem e da nossa própria humanidade. Depois de “Filho de Deus, Menino Meu”, eu não vejo mais o Natal das alturas, o Natal do passado, o Natal lá do tempo que os pastores foram e viram. Não. Eu vejo um Natal que se encarna aqui, que passa por pessoas, que passa pela liturgia, que passa pela Eucaristia, que passa pelos pobres, que passa por mim, que passa pelas lutas do dia a dia, que passa pelas mortes dos inocentes que todos nós enfrentamos. No meio disso tudo, o verbo se encarna e está todo o tempo vindo nos salvar; está todo o tempo vindo dar a vida dele por amor a nós. Para mim, essa é a diferença hoje.
Redação Lumine: Muitos dizem que Filho de Deus, Menino Meu carrega o ‘DNA’ da Shalom. Para você, como roteirista, qual é o elemento central dessa história que faz com que ela continue atual e impactante, tanto para quem é da comunidade quanto para quem nunca pisou na Igreja?
Wilde Fábio: São muitos elementos, mas eu diria que um elemento que é muito forte no musical inteiro, do início ao fim, é o protagonismo de Deus, a iniciativa da graça, o primado da graça. O primado da graça que é quem escolhe, que é quem elege, que é quem se antecipa, quem vem primeiro. Afinal, todos nós temos um anseio por transcendência, por eternidade, por Deus. E esse anseio está presente em qualquer pessoa, dentro da Igreja ou fora dela. Todos nós nascemos para ele, para o verbo, para a intimidade com ele. E todo o espetáculo reacende esse desejo em nós. As pessoas sempre me dizem que eu botei no roteiro o que se passa no coração delas. Então eu vejo que é cada vez mais claro, esse anseio de Deus, de santidade, de intimidade com Deus, de eternidade, de ser dEle, é de todos.
Redação Lumine: O que você espera que aconteça no coração de quem assistir a essa estreia?
Wilde Fábio: O que eu espero é que a pessoa, sem reservas nenhumas, se exponha à obra, deixando-se conduzir por ela. E que dessa forma ela possa passear por toda a história de Jesus e deixar-se alcançar por ela. Que essa pessoa possa descobrir que o Senhor a escolheu antes de tudo. Que não é mérito dessa pessoa, mas que ela é muito amada e que com certeza o Senhor tem muitos projetos para a vida dela. Que ela possa descobrir que ela foi amada por um Deus que se encarnou, que se esvaziou e que assumiu a humanidade. Que não tem nada na humanidade que não tenha sido redimido e assumido por Jesus.
O Natal é uma das narrativas mais revisitadas da cultura ocidental, mas poucas vezes é tratado com a complexidade que carrega: a de um Deus que escolhe se encarnar e entrar na história humana. Filho de Deus, Menino Meu parte exatamente desse ponto. A obra é uma recriação cênica do texto original de Emmir Nogueira, profundamente enraizado no carisma da Comunidade Católica Shalom.
À frente da adaptação para o audiovisual está Wilde Fábio, roteirista e diretor que assumiu o desafio de traduzir a encarnação em cena. Nesta entrevista, ele compartilha o percurso criativo por trás da obra e oferece uma leitura madura sobre o Natal como experiência viva.
Redação Lumine: O texto original de Emmir Nogueira é muito querido e conhecido. Como foi o processo de ‘tocar’ nessa obra? Houve algum trecho ou cena que você sentiu que precisava ser reinventada para que funcionasse na tela, sem perder a essência?
Wilde Fábio: O livro da Emmir é muito focado no contexto histórico da cultura judaica e possui uma linguagem deliciosa para a leitura. Porém, ao transformá-lo em obra audiovisual e dramaturgia, precisei imprimir uma nova dinâmica. O texto lido conta com o imaginário; o texto encenado exige movimento, música e dança para conquistar o olhar.
A principal mudança foi a criação da Trupe da Encarnação. No livro não há essa carroça de teatro que percorre os lugares escuros do mundo para fazer o sol nascer através de um espetáculo. Esse foi o recurso que usamos para dar dramaticidade. Buscamos ser tão fiéis que, em certo momento, a trupe faz uma “nota de rodapé” em cena: explicamos por que no livro não há a cena da Anunciação com o anjo — que a Emmir concebeu como um processo interior — mas que no palco ganha a sua própria visualidade.
Redação Lumine: A peça é muito famosa por misturar profundidade com humor. No roteiro, como você modulou o humor para que ele não diminuísse a grandiosidade da história nem quebrasse a atmosfera de oração, mas servisse como uma porta de entrada para o mistério do Natal?
Wilde Fábio: Quando nós pensamos em fazer “O Filho de Deus, Menino Meu”, uma das grandes questões era: como contar uma história que já foi contada mil vezes de uma forma original? Normalmente, quando a gente toca no religioso, toca com muito respeito e, às vezes, até com uma dose de dramaticidade. Então, a primeira coisa que eu pensei foi: vamos tornar o musical leve. Vamos tornar o musical leve porque o humor abre o coração das pessoas. O humor também é capaz de vencer resistências. Dentro dessa dinâmica, o espetáculo foi pensado para que, através do humor, se vençam essas reservas, essas barreiras que normalmente a gente tem diante de uma obra. E, a partir disso, se abram caminhos para que a pessoa possa se entregar ainda mais à experiência emocional. A outra coisa em que eu acredito muito é que, quando você pega o roteiro de um espetáculo, o humor é feito naquilo que é periférico. Aquilo que é essencial é preservado, não é tocado, é respeitado. E acredito que isso é o que dá o equilíbrio.
Redação Lumine: O título da obra traz uma ideia de posse muito forte: ‘Menino Meu’. Durante o processo de roteirização e revisão, você sentiu que, em algum momento, o Menino Jesus deixou de ser apenas um personagem da história e se tornou, de fato, ‘seu’? Enquanto escrevia, houve alguma cena que te levou à conversão?
Wilde Fábio: A Encarnação sempre me desafiou: um Deus onipotente que se esvazia para ser um menino. Ao compor a música “O Verdadeiro Deus da Carne”, que embala o nascimento, Maria e José cantam sobre esse “doce abaixar-se”. A imagem de um Deus frágil quebra o meu coração. Jesus se fez homem para ser entregue nos nossos braços; por isso a propriedade do “meu” é tão forte.
Do ponto de vista dramático, a cena que mais me confrontou foi o Massacre dos Inocentes. Quando Raquel canta para Maria que “era para o meu menino a morte que o teu filho irá beber”, lembramos que o presépio já aponta para a Cruz. É de uma força esmagadora perceber que a vida de Cristo é, desde o início, uma entrega total. Isso é de uma força esmagadora.
Redação Lumine: Depois de mergulhar tão fundo no roteiro deste espetáculo, o seu Natal mudou? Existe algo no mistério da Encarnação que você só compreendeu agora, ao ter que colocar em palavras para os atores?
Wilde Fábio: Sim, principalmente quando eu percebi que o mistério da encarnação envolve o homem inteiro. O homem inteiro, em todas as suas potências, em todo o seu corpo, em sua psique, em sua alma; que envolve a arte, envolve a dança, envolve o teatro, envolve a música em diversos estilos. Não existe nada no homem que não seja assumido por Cristo. Ele, ao se encarnar, assumiu o ser humano em tudo. E isso me deu outra visão do homem e da nossa própria humanidade. Depois de “Filho de Deus, Menino Meu”, eu não vejo mais o Natal das alturas, o Natal do passado, o Natal lá do tempo que os pastores foram e viram. Não. Eu vejo um Natal que se encarna aqui, que passa por pessoas, que passa pela liturgia, que passa pela Eucaristia, que passa pelos pobres, que passa por mim, que passa pelas lutas do dia a dia, que passa pelas mortes dos inocentes que todos nós enfrentamos. No meio disso tudo, o verbo se encarna e está todo o tempo vindo nos salvar; está todo o tempo vindo dar a vida dele por amor a nós. Para mim, essa é a diferença hoje.
Redação Lumine: Muitos dizem que Filho de Deus, Menino Meu carrega o ‘DNA’ da Shalom. Para você, como roteirista, qual é o elemento central dessa história que faz com que ela continue atual e impactante, tanto para quem é da comunidade quanto para quem nunca pisou na Igreja?
Wilde Fábio: São muitos elementos, mas eu diria que um elemento que é muito forte no musical inteiro, do início ao fim, é o protagonismo de Deus, a iniciativa da graça, o primado da graça. O primado da graça que é quem escolhe, que é quem elege, que é quem se antecipa, quem vem primeiro. Afinal, todos nós temos um anseio por transcendência, por eternidade, por Deus. E esse anseio está presente em qualquer pessoa, dentro da Igreja ou fora dela. Todos nós nascemos para ele, para o verbo, para a intimidade com ele. E todo o espetáculo reacende esse desejo em nós. As pessoas sempre me dizem que eu botei no roteiro o que se passa no coração delas. Então eu vejo que é cada vez mais claro, esse anseio de Deus, de santidade, de intimidade com Deus, de eternidade, de ser dEle, é de todos.
Redação Lumine: O que você espera que aconteça no coração de quem assistir a essa estreia?
Wilde Fábio: O que eu espero é que a pessoa, sem reservas nenhumas, se exponha à obra, deixando-se conduzir por ela. E que dessa forma ela possa passear por toda a história de Jesus e deixar-se alcançar por ela. Que essa pessoa possa descobrir que o Senhor a escolheu antes de tudo. Que não é mérito dessa pessoa, mas que ela é muito amada e que com certeza o Senhor tem muitos projetos para a vida dela. Que ela possa descobrir que ela foi amada por um Deus que se encarnou, que se esvaziou e que assumiu a humanidade. Que não tem nada na humanidade que não tenha sido redimido e assumido por Jesus.
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