o Dr. Raphael de Paola - Lumine

Físico da PUC explica por que a ciência precisa da filosofia

Disponível na plataforma da Lumine, o documentário O fim da realidade quântica mostra a vida e o pensamento do físico, matemático e filósofo americano Wolfgang Smith, considerado um dos grandes pensadores da atualidade.

A trajetória do cientista ocupa o centro do filme, mas também é feito um grande panorama sobre o pensamento científico ao longo das últimas décadas.

Argumenta-se que a ciência teria se afastado da realidade, trocando-a por esquemas cada vez mais complexos cuja pertinência só existiria na mente de seus autores.

Wolfgang Smith e os demais entrevistados do filme buscam assinalar a necessidade de retomar conhecimentos antigos capazes de refazer a ponte entre a ciência e a realidade.

Depois de graduar-se, Smith viajou ao Oriente em busca de respostas até que, de volta aos Estados Unidos, encontrou-as no cristianismo em que havia sido criado. Navegando por essa história das ideias, percebemos como a ciência é um trabalho coletivo: em épocas distintas, diferentes indivíduos alocaram suas pedras na catedral.

Ao mesmo tempo, fica claro que trata-se também de um campo suscetível a polêmicas, revisões e retomadas de caminhos que pareciam ter sido definitivamente abandonados.

Quando o documentário estreou na plataforma da Lumine, entrevistamos Raphael de Paola, dr. em física quântica e professor da PUC-Rio, interrogando-a a respeito dos assuntos abordados no filme. Confira a entrevista abaixo:

1. Como foi o seu primeiro contato com o pensamento de Wolfgang Smith? O que o impressionou nesta ocasião?

O primeiro livro que li do Wolfgang Smith foi O enigma quântico, em que ele aprofunda uma solução do Werner Heisenberg, um dos criadores da mecânica quântica, que estabeleceu as bases para uma interpretação aristotélica, em termos de ato e potência e de matéria e forma, do que está ocorrendo com a mecânica quântica. Sendo que o Wolfgang Smith vai a São Tomás de Aquino para corrigir uma interpretação errônea do Heisenberg.

O próprio Wolfgang Smith frisa muito isto: ele diz que o único erro do Heisenberg foi imaginar que o que confere “ser” às coisas são as partículas elementares. Ele diz que tudo o que Heisenberg falava era contrário a isso e ia no sentido oposto, na medida em que o que é real mesmo são as coisas do dia a dia, os seres corpóreos, e as partículas adquirem realidade no contato com os seres corpóreos, em vez de dar realidade a eles.

02. A ciência virou uma ideologia, um sistema de crenças que tudo pretende explicar?

Não, evidentemente. O que acontece é que um dos únicos ganhos do método científico moderno é o experimento controlado, por meio do qual é possível conhecer uma miríade de fenômenos chamados de científicos. O problema é que não se tem mais a menor noção de como conectar este conhecimento científico com o conhecimento mais banal, ou pré-experimental, do homem.

As pessoas adquirem um conhecimento numa área especializada, mas não sabem fazer a relação com o que vivem, não sabem o que esse conhecimento tem a ver com chegar em casa à noite trazendo uma flor para sua esposa porque discutiu com ela de manhã.

As duas coisas acontecem no mundo, então alguma união entre elas deve ter, mas hoje em dia se despreza o tipo de conhecimento filosófico que poderia embasar esta ponte. Outro defeito bastante problemático da ciência moderna diz respeito a um certo movimento que acontece, que notamos na física newtoniana, na psicologia em alguns momentos, na biologia a partir de Charles Darwin.

No início, decide-se não tocar em algumas questões metafísicas, mas depois, com um ferramental pobre embora rico de descobertas dentro daquilo a que se propôs fazer, acha-se que é possível explicar de volta aquelas questões que os iniciantes da ciência deixaram de lado. O resultado é que a toda hora vemos a física ou a ciência se arrogando ser uma metafísica, uma explicação acima do seu campo explicativo e transcendente a ele ou ao que propunha explicar.

03. Vivemos numa época em que o conhecimento científico muitas vezes é tratado como dogma. O filme demonstra que a ciência é um campo suscetível a revisões como outros. Como o senhor enxerga essa questão? Haveria um meio termo?

Quem trata o conhecimento científico como um dogma não sabe o que é ciência. As ciências têm seus limites e é constituída inauguralmente como uma limitação de um campo de estudo.

Depois de alguns séculos ou de várias décadas, as pessoas esquecem dessa delimitação e querem engolir o mundo inteiro com essa ciência. Aristóteles dizia que se ficasse provado que não existe nada imaterial, a Física seria a rainha das ciências.

O que ele chama de “Física” é algo muito mais complexo e cheio, é o que chamaríamos de “Ciência natural” com seus ramos diferentes ou de “Filosofia natural”, mas já naquela época ele apontava para esse potencial destruidor do estudo do mundo material, que pode querer capturar tudo para dentro de si.

O ícone cósmico que aparece no filme O fim da realidade quântica: como um ponto uma reta e uma esfera explicam a cosmologia do universo.

Se você ensina um montão de técnicas científicas, sejam teóricas, matemáticas ou técnicas de laboratório, para gente que não tem noção de que essas coisas têm limites, e que são limites bem precisos, você transforma essas pessoas em pensadores dogmáticos: o sujeito não sabe os limites daquilo e sai atribuindo sentido metafísico a afirmações que são apenas científicas, que têm um campo de aplicabilidade muito restrito.

04. No documentário, Wolfgang Smith descreve a descoberta ou redescoberta do cristianismo como um ponto de inflexão em sua biografia. Na opinião pública, fé e ciência costumam ser vistas como polos opostos do debate. Que benefícios traria uma aproximação desses dois campos considerados hoje como antagônicos?

Eu acho que o debate sobre fé e ciência é um debate absolutamente estéril, até as pessoas perceberem que tem uma terceira coisa ali no meio que tem que fazer a ponte entre esses dois campos: a filosofia.

É preciso voltar a um pensamento filosófico realista, um pensamento saudável, que saiba o que é matéria. Hoje em dia todo mundo adora dizer que é materialista, mas não sabe o que é matéria ou a origem do termo.

Aristóteles cunhou o termo matéria e lhe deu um significado muito preciso. Enquanto não se entender a filosofia aristotélica, que é a única capaz de fazer a ponte entre a ciência e fé, esse será um debate de cegos incapazes de enxergar o campo do outro.

É exatamente nesse sentido que vai a obra do professor Wolfgang Smith: ele mostra que dentro da filosofia aristotélico-tomista existe uma bagagem filosófica conceitual suficiente para entender os problemas da mecânica quântica e que a própria ciência moderna nos tem colocado.

05. Quais lhe parecem ser os maiores desafios da ciência neste início de século XXI?

Acho que é justamente cada ciência redescobrir quais são os seus limites, aquilo que, na sua inauguração, cada uma dizia que não ia tratar. Ou seja: é preciso voltar a circunscrever o objeto de estudo e as técnicas de estudo, identificar isto que os escolásticos chamavam, respectivamente, de “objeto material” e “objeto formal”.

Ciência é limitação. É preciso perceber quais são as fronteiras do que você está investigando em cada ciência. O principal ganho que um cientista vai ter é redescobrir o quão limitada é a sua ciência, tanto em método quanto em poder explicativo.

Como é possível uma vida inteligente e consciente como a do ser humano? Eu digo: as respostas não serão achadas nunca na ciência. Pelo contrário: a lição dos últimos cinquenta anos em todas as ciências que se meteram nisso é que quanto mais elas estudam essas perguntas, mais longe ficam da explicação. A explicação está dentro da filosofia aristotélico-tomista — um conhecimento que a Igreja precisa mortalmente recuperar.

Termino com a seguinte impressão de um amigo que se ordenou padre. Eu disse a ele: “No seminário vocês não aprendem isso?”. Ele respondeu: “Aprendemos, e os professores são bons, o problema é que nos ensinam isso tratando em pé de igualdade a filosofia moderna como Kant, Hegel, Heidegger”.

Não dá para pôr em pé de igualdade um conhecimento que está de pé há 2400 anos e outro que alguém inventou anteontem, e que tão logo se inventa já é derrubado por mil discípulos, porque o que dizem é impossível.

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O documentário O fim da realidade quântica está disponível na Lumine. Assine a plataforma e assista ao filme hoje mesmo.

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