Quantos filmes sobre a Paixão de Cristo você conhece?
A história da vida de Jesus Cristo é a narrativa mais fundamental do Ocidente. Uma narrativa que dividiu a história em “antes” e “depois”.
Independentemente da religião que se tenha, ninguém pode ficar indiferente à vida de Cristo. Como disse o tradutor Frederico Lourenço no prefácio de sua tradução dos Evangelhos, “crentes ou ateus, temos de concordar que Jesus de Nazaré nunca morreu, porque a verdade é esta: tanto crentes como não crentes andaremos com Jesus na nossa cabeça enquanto houver seres humanos na Terra”.
Sendo assim, é natural que, desde o seu surgimento, a arte do cinema tenha se apropriado dessa história tão significativa.
É verdade que boa parte dos filmes inspirados na vida de Jesus podem ser considerados arte menor, no sentido em que não se preocupam tanto com a forma cinematográfica e geralmente adotam um tom pedagógico e proselitista.
Porém, há muitos exemplos de bons filmes e até mesmo de algumas obras-primas da história do cinema que trataram da vida e da Paixão de Cristo.
Do cinema mudo ao cinema digital, abrangendo as mais diversas expressões e estilos, como o neorrealismo italiano, os épicos da “era de ouro” de Hollywood e até mesmo a animação, elaboramos uma lista com os melhores filmes que tratam da vida, da paixão e da morte de Nosso Senhor Jesus Cristo. Confira abaixo:
Produção dos famosos estúdios Pathé. Iniciada em 1902 e concluída em 1905, é um dos primeiros filmes de longa metragem da história. E um grande exemplo de como a era silenciosa do cinema guarda algumas pérolas que merecem ser conhecidas.
O filme é uma criação de Ferdinand Zecca e, como é característico do cinema desta época, é uma obra que estabelece um diálogo com o teatro e as artes plásticas. Neste caso específico, várias das composições do filme foram inspiradas nas gravuras do pintor Gustave Doré.
A narrativa é construída inteiramente por imagens, sem apresentar os intertítulos — tão comuns no cinema silencioso —, como se fosse uma ilustração dos Evangelhos. Por isso, para compreendermos os episódios apresentados, é preciso conhecê-los com antecedência.
Na época em que o filme foi produzido, a linguagem do cinema ainda não estava tão bem desenvolvida. Por isso, os movimentos de câmera, os ângulos e a montagem ainda eram elementos pouco explorados. Contudo, dentro de seus limites expressivos, o filme de Zecca provoca um bom impacto artístico em quem o assiste. À época de seu lançamento, o filme foi uma das maiores bilheterias da Pathé e, pela sua importância histórica, ele seria escolhido para a lista de filmes indicados pelo Vaticano.
Sua “ingenuidade” formal acaba por ser um dos principais fatores de sua beleza. Além disso, o filme retrata vários episódios dos Evangelhos que geralmente não aparecem em outras produções, como o das Bodas de Caná e o da Ascensão de Cristo.
Um dos vários épicos dirigidos pelo grande Cecil B. Demille, Rei dos reis é um filme mais refinado do que o filme de Ferdinand Zecca, e também mais refinado do que outras produções posteriores que tratariam do mesmo tema — como, por exemplo, o seu contemporâneo Da manjedoura a cruz, de Sidney Walcott.
Rei dos reis já é um exemplo de uma arte que estava ficando cada vez mais rica e complexa. Demille utilizou o texto dos Evangelhos como roteiro de sua adaptação, e a tradução inglesa do texto aparece de forma literal nos intertítulos do filme, embora a cronologia da narrativa seja diferente da que é apresentada nas Sagradas Escrituras.
Uma das grandes qualidades do filme é a grande imaginação visual com a qual o Demille retrata os episódios escolhidos. Há várias cenas desse filme que ajudaram a construir o imaginário da história de Cristo no cinema e na cultura como um todo.
Embora tenha uma linguagem artisticamente mais “ingênua” do que o filme de Demille, o mexicano O mártir do Calvário — dirigido por Miguel Morayta e estrelado por Enrique Rambal no papel de Cristo — viria a ser um dos filmes mais bem sucedidos da história do México: assisti-lo durante a Semana Santa virou uma tradição nacional.
Curiosamente, o filme também teve uma ótima recepção no Brasil. Na década de 50, e mesmo nos anos seguintes, o filme foi exibido com muito sucesso nos cinemas durante a Semana Santa, transformando-se também em uma tradição religiosa brasileira.
Era comum que as pessoas tivessem reproduções impressas de quadros do filme de Morayta penduradas na parede de suas casas como se fossem ícones religiosos, de modo que, assim como o filme de Demille, o filme mexicano também ajudou a consolidar o imaginário sobre a vida de Cristo na cultura moderna.
Ainda que tenha um título quase idêntico ao do filme de Demille, Reis dos reis, de Nicholas Ray, é um representante de outro momento da história do cinema. Produzido durante a chamada “era de ouro” do cinema hollywoodiano — ainda que nos últimos momentos desse período —, é uma obra de arte de quando a linguagem cinematográfica já estava consumada em todas as suas possibilidades.
No filme de Ray, a história de Jesus é situada no contexto maior da história dos judeus (algo que o Roberto Rossellini também faria alguns anos depois no seu filme O messias) e há uma grande ênfase na descrição sociológica do povo.
Em termos de estrutura narrativa, o roteiro entrelaça a Paixão de Jesus Cristo com a rebelião arquitetada pelo criminoso Barrabás e, embora haja várias licenças poéticas que não encontram escopo histórico, o filme apresenta uma história interessante e verossímil.
Filmado em Cinemascope, Rei dos reis é um espetáculo de cores e de composições visuais deslumbrantes; com cenários e figurinos extremamente detalhados e uma trilha sonora com uma orquestração musical imponente — típica dos épicos hollywoodianos. Um filme grandioso em vários aspectos.
Acto da primavera é um dos maiores filmes do maior cineasta da história de Portugal.
Misturando documentário e ficção, o filme é um retrato da encenação popular da Paixão de Cristo na aldeia de Curalha, no norte do país, uma tradição centenária, cuja apresentação ainda conserva os textos que eram usados na época medieval.
Embora haja encenações feitas especificamente para o filme, o elenco todo é constituído pelos próprios aldeões, e Oliveira buscou interferir o mínimo possível na apresentação tradicional já realizada pelo povo.
Acto da primavera é um exemplo da estética rigorosa e reflexiva de Oliveira. Ao mesmo tempo, ele apresenta uma profunda reflexão sobre a sociedade portuguesa, e é um dos primeiros exemplos de como o diretor abordava o catolicismo, tão importante em sua obra.
Em determinado momento do filme, um dos aldeões declara, de forma metalinguística: “Também eu, todos nós: todos nós temos um papel importante neste ato”. Aí, ao mesmo tempo em que Oliveira está inserindo a sua própria arte dentro da tradição cultural do seu país, ele estava mostrando como a história da Paixão de Cristo faz parte da vida de todos os seres humanos. Portugueses e não portugueses.
O Evangelho Segundo São Mateus é o filme a respeito da Paixão de Cristo que consta na lista dos filmes recomendados pelo vaticano. Fato curioso, pois seu diretor, Pier Paolo Pasolini, era um intelectual marxista que não raro se manifestava publicamente com várias declarações contrárias à igreja.
Contudo, o filme é, de fato, uma das melhores descrições da história de Cristo, pois, assim como fizera Oliveira — e como mais tarde faria Rossellini —, Pasolini adota uma estética que está de acordo com o espírito da história.
Embora não possa ser necessariamente associado ao movimento do neorrealismo italiano, há várias características do Evangelho Segundo São Mateus que são próprias deste movimento — como o minimalismo visual, o aproveitamento de locações reais, o emprego de não atores e as atuações naturalistas e pouco exageradas. A atuação mais minimalista, por exemplo, confere um caráter muito verdadeiro às personagens de Jesus Cristo e de Nossa Senhora.
Embora o filme também não respeite perfeitamente a cronologia dos episódios tal como é apresentada nas Escrituras, ele segue o Evangelho quase letra a letra e talvez seja por essa fidelidade ao texto que a Igreja Católica o tenha aprovado.
Por outro lado, também há inovações artísticas da parte do Pasolini, como a mistura de diferentes ritmos na trilha sonora: além de peças clássicas de Mozart e Bach, por exemplo, há ritmos como o blues e uma sonoridade de origem africana, herança cultural das pesquisas estéticas que o diretor realizou durante as suas viagens ao continente africano. A fotografia propositadamente em preto e branco também diferencia o filme dos épicos americanos do mesmo período, como o citado O Rei dos Reis, do Nicholas Ray e A maior história de todos os tempos, de George Stevens.
É um filme que apresenta uma abordagem bem diferenciada da abordagem hollywoodiana, com uma ênfase que é mais racional do que emotiva, motivo pelo qual muitos o consideram o melhor filme já feito sobre a história de Cristo.
Com uma abordagem semelhante à do filme de Pasolini, O Messias de Rosselini também é marcado por elementos que remetem ao neorrealismo. Ao contrário das superproduções de Hollywood, a narrativa de Rossellini é sóbria e despojada, quase minimalista, e enfatiza a humanidade de Cristo e a singeleza de suas palavras.
Como Pasolini, Rossellini evita os efeitos dramáticos exagerados; seus enquadramentos são austeros, quase sempre abertos; e há um grande aproveitamento de cenários naturais; as atuações também são contidas e pouco espetaculares — escolhas estilísticas conferem um tom meditativo ao filme.
Além disso, há alguns aspectos do filme de Rossellini que não estão presentes em nenhuma das outras produções sobre a vida de Cristo.
Um desses aspectos está na caracterização de Nossa Senhora. Diferentemente da Virgem Maria do Pasolini, por exemplo, que envelhece de maneira quase drástica durante os trinta e três anos de vida de seu Filho, a Virgem Maria retratada por Rossellini permanece com o mesmo rosto durante o filme inteiro — a juventude perene é um reflexo da santidade da personagem. É como se o tempo não a atingisse, como se o seu corpo não estivesse sujeito à corrupção. Outro aspecto singular está na reprodução de pinturas famosas, que confere uma plasticidade muito bonita ao filme, um tom verdadeiramente iconográfico.
Do ponto de vista católico, O Messias é uma reflexão sobre a essência do cristianismo, com ênfase em valores como a compaixão, a justiça e a necessidade de conversão. A simplicidade e, simultaneamente, o poder das palavras de Cristo demonstram a grande força que há na humildade — o que é reforçado pela forma austera do filme.
Dentro do projeto de Rossellini de contar a história universal por meio da arte do cinema, O Messias é um dos seus filmes mais belos, uma continuação de Ato dos Apóstolos, ótima série que ele produzira em 1969. Embora seja menos conhecida do que outras adaptações da vida de Jesus, a obra de Rossellini é um dos filmes mais autênticos e contemplativos já realizados na história do cinema, considerado pela crítica como um dos melhores filmes do cineasta e um dos melhores filmes religiosos da história.
Concebido originalmente como uma série televisiva, o filme de Zeffirelli também se tornaria um marco da cultura de massas, uma das representações da vida de Cristo mais “reverenciadas” no cinema.
Como o Cristo vivido por Enrique Rambal na década de 50, o Cristo interpretado por Robert Powell também se transformaria em um ícone cultural, tendo sua imagem difundida para além do contexto de recepção do filme.
À maneira de Rossellini, embora com uma abordagem mais espetacular, Zefirelli também cria os seus quadros a partir de uma iconografia estabelecida dentro das artes visuais, com composições que remetem à pintura das eras renascentista e romântica.
Embora tenha uma linguagem mais televisiva, Jesus de Nazaré é um filme de grande impacto visual e narrativo, com uma abordagem equilibrada e uma boa abrangência no que diz respeito aos episódios dos Evangelhos que são contemplados. Antes do fenômeno que seria a Paixão de Cristo filmada por Mel Gibson na década de 2000, a produção de Zefirelli teve uma das melhores recepções por parte do público, inclusive no Brasil, onde se tornou uma tradição televisiva em datas específicas.
Animação realizada na técnica stop-motion que se destaca por sua abordagem visual única e por sua fidelidade à história de Cristo. Pelo fato de ser uma animação, o filme aposta na simplicidade dos textos, visto que os produtores consideraram a possibilidade de ele ser direcionado principalmente para o público infanto-juvenil.
Essa preocupação com o público é perceptível também na duração do filme — menor do que a duração dos outros filmes que também abordam a vida de Cristo. Para compensar a extensão menor, vários episódios dos Evangelhos são apenas narrados ou mencionados por algum personagem que tem maior destaque.
O filme de Hayes e Sokolov apresenta a história por uma perspectiva inédita: pelos olhos da menina Tamar, filha de Jairo. Tamar sofria de uma doença fatal e, após a sua morte, foi ressuscitada por Cristo.
Essa nova perspectiva poderia ser apenas um recurso para atrair o público infantil, mas vai além disso. Se considerarmos a passagem do Evangelho em que Cristo diz que é preciso ser como as crianças para entrar no Reino dos Céus, percebemos que faz muito sentido olhar para Sua história a partir do olhar de uma criança. Além disso, o filme enfatiza a questão da fé verdadeira, da fé que nasce de um olhar puro.
Ao contrário de produções convencionais sobre a vida de Jesus — que costumam destacar o realismo e a emoção propriamente dramática —, O Senhor dos milagres tem um tom solene, como se fosse uma meditação visual sobre os Evangelhos. Em vez de empobrecer a história, o recurso da animação a enriquece: à maneira da pintura iconográfica e das imagens na Igreja Católica, as animações em stop-motion criam um símbolo que é imediatamente compreensível.
Há uma grande preocupação com os detalhes do cenário e com outras questões históricas e, embora não haja um destaque para a figura de Nossa Senhora, é um filme belo e sensível, que pode agradar tanto às crianças quanto aos adultos. E, logicamente, é um ótimo filme para ser assistido em família.
Dentro da tradição do filme de espetáculo hollywoodiano, Mel Gibson produziria, em 2004, um dos filmes sobre a Paixão de Cristo que viria a se tornar uma das produções mais bem sucedidas a respeito do tema. É o segundo filme com classificação indicativa para maiores de 18 anos com a maior bilheteria da história do cinema americano. No entanto, o sucesso do filme e algumas de suas abordagens o transformaram em um alvo de críticas de diferentes grupos: protestantes, judeus, católicos, etc.
Com uma produção ousada, que aposta em um grande nível de verossimilhança para retratar os episódios do Calvário, e com os textos todos falados em aramaico, latim e hebraico, o filme de Mel Gibson acabou se transformando em um clássico. Baseado nas visões da beata Ana Catarina Emmerich, o filme é organizado, justamente, a partir dos 14 passos da cruz, embora a estrutura da narrativa não seja cronológica.
Um dos pontos interessantes do filme de Gibson, que o diferencia das outras produções aqui citadas, é o destaque dado ao simbolismo teológico de Nossa Senhora e ao simbolismo da Eucaristia, o que torna um filme explicitamente católico.
É um filme potente e visceral, que pode ser considerado uma grande meditação a respeito do sacrifício redentor de Cristo. A ênfase que Mel Gibson confere à dor e ao sofrimento de Nosso Senhor não é algo meramente gratuito, mas reflete a centralidade da Sua paixão para a teologia cristã. Os elementos propriamente cinematográficos executados com grande refinamento — a trilha sonora, a fotografia, a atuação marcante de Jim Caviezel — contribuem para que, além de espetacular, o filme também seja uma experiência espiritual.
Assim como ocorreu com o filme de Morayta nos anos 50 e com o filme de Zeffirelli nos anos 70, o filme de Mel Gibson também acabaria iniciando uma tradição religiosa, pois é comum que, em muitos contextos religiosos, ele seja assistido durante a Quaresma e a Semana Santa.
Quantos filmes sobre a Paixão de Cristo você conhece?
A história da vida de Jesus Cristo é a narrativa mais fundamental do Ocidente. Uma narrativa que dividiu a história em “antes” e “depois”.
Independentemente da religião que se tenha, ninguém pode ficar indiferente à vida de Cristo. Como disse o tradutor Frederico Lourenço no prefácio de sua tradução dos Evangelhos, “crentes ou ateus, temos de concordar que Jesus de Nazaré nunca morreu, porque a verdade é esta: tanto crentes como não crentes andaremos com Jesus na nossa cabeça enquanto houver seres humanos na Terra”.
Sendo assim, é natural que, desde o seu surgimento, a arte do cinema tenha se apropriado dessa história tão significativa.
É verdade que boa parte dos filmes inspirados na vida de Jesus podem ser considerados arte menor, no sentido em que não se preocupam tanto com a forma cinematográfica e geralmente adotam um tom pedagógico e proselitista.
Porém, há muitos exemplos de bons filmes e até mesmo de algumas obras-primas da história do cinema que trataram da vida e da Paixão de Cristo.
Do cinema mudo ao cinema digital, abrangendo as mais diversas expressões e estilos, como o neorrealismo italiano, os épicos da “era de ouro” de Hollywood e até mesmo a animação, elaboramos uma lista com os melhores filmes que tratam da vida, da paixão e da morte de Nosso Senhor Jesus Cristo. Confira abaixo:
Produção dos famosos estúdios Pathé. Iniciada em 1902 e concluída em 1905, é um dos primeiros filmes de longa metragem da história. E um grande exemplo de como a era silenciosa do cinema guarda algumas pérolas que merecem ser conhecidas.
O filme é uma criação de Ferdinand Zecca e, como é característico do cinema desta época, é uma obra que estabelece um diálogo com o teatro e as artes plásticas. Neste caso específico, várias das composições do filme foram inspiradas nas gravuras do pintor Gustave Doré.
A narrativa é construída inteiramente por imagens, sem apresentar os intertítulos — tão comuns no cinema silencioso —, como se fosse uma ilustração dos Evangelhos. Por isso, para compreendermos os episódios apresentados, é preciso conhecê-los com antecedência.
Na época em que o filme foi produzido, a linguagem do cinema ainda não estava tão bem desenvolvida. Por isso, os movimentos de câmera, os ângulos e a montagem ainda eram elementos pouco explorados. Contudo, dentro de seus limites expressivos, o filme de Zecca provoca um bom impacto artístico em quem o assiste. À época de seu lançamento, o filme foi uma das maiores bilheterias da Pathé e, pela sua importância histórica, ele seria escolhido para a lista de filmes indicados pelo Vaticano.
Sua “ingenuidade” formal acaba por ser um dos principais fatores de sua beleza. Além disso, o filme retrata vários episódios dos Evangelhos que geralmente não aparecem em outras produções, como o das Bodas de Caná e o da Ascensão de Cristo.
Um dos vários épicos dirigidos pelo grande Cecil B. Demille, Rei dos reis é um filme mais refinado do que o filme de Ferdinand Zecca, e também mais refinado do que outras produções posteriores que tratariam do mesmo tema — como, por exemplo, o seu contemporâneo Da manjedoura a cruz, de Sidney Walcott.
Rei dos reis já é um exemplo de uma arte que estava ficando cada vez mais rica e complexa. Demille utilizou o texto dos Evangelhos como roteiro de sua adaptação, e a tradução inglesa do texto aparece de forma literal nos intertítulos do filme, embora a cronologia da narrativa seja diferente da que é apresentada nas Sagradas Escrituras.
Uma das grandes qualidades do filme é a grande imaginação visual com a qual o Demille retrata os episódios escolhidos. Há várias cenas desse filme que ajudaram a construir o imaginário da história de Cristo no cinema e na cultura como um todo.
Embora tenha uma linguagem artisticamente mais “ingênua” do que o filme de Demille, o mexicano O mártir do Calvário — dirigido por Miguel Morayta e estrelado por Enrique Rambal no papel de Cristo — viria a ser um dos filmes mais bem sucedidos da história do México: assisti-lo durante a Semana Santa virou uma tradição nacional.
Curiosamente, o filme também teve uma ótima recepção no Brasil. Na década de 50, e mesmo nos anos seguintes, o filme foi exibido com muito sucesso nos cinemas durante a Semana Santa, transformando-se também em uma tradição religiosa brasileira.
Era comum que as pessoas tivessem reproduções impressas de quadros do filme de Morayta penduradas na parede de suas casas como se fossem ícones religiosos, de modo que, assim como o filme de Demille, o filme mexicano também ajudou a consolidar o imaginário sobre a vida de Cristo na cultura moderna.
Ainda que tenha um título quase idêntico ao do filme de Demille, Reis dos reis, de Nicholas Ray, é um representante de outro momento da história do cinema. Produzido durante a chamada “era de ouro” do cinema hollywoodiano — ainda que nos últimos momentos desse período —, é uma obra de arte de quando a linguagem cinematográfica já estava consumada em todas as suas possibilidades.
No filme de Ray, a história de Jesus é situada no contexto maior da história dos judeus (algo que o Roberto Rossellini também faria alguns anos depois no seu filme O messias) e há uma grande ênfase na descrição sociológica do povo.
Em termos de estrutura narrativa, o roteiro entrelaça a Paixão de Jesus Cristo com a rebelião arquitetada pelo criminoso Barrabás e, embora haja várias licenças poéticas que não encontram escopo histórico, o filme apresenta uma história interessante e verossímil.
Filmado em Cinemascope, Rei dos reis é um espetáculo de cores e de composições visuais deslumbrantes; com cenários e figurinos extremamente detalhados e uma trilha sonora com uma orquestração musical imponente — típica dos épicos hollywoodianos. Um filme grandioso em vários aspectos.
Acto da primavera é um dos maiores filmes do maior cineasta da história de Portugal.
Misturando documentário e ficção, o filme é um retrato da encenação popular da Paixão de Cristo na aldeia de Curalha, no norte do país, uma tradição centenária, cuja apresentação ainda conserva os textos que eram usados na época medieval.
Embora haja encenações feitas especificamente para o filme, o elenco todo é constituído pelos próprios aldeões, e Oliveira buscou interferir o mínimo possível na apresentação tradicional já realizada pelo povo.
Acto da primavera é um exemplo da estética rigorosa e reflexiva de Oliveira. Ao mesmo tempo, ele apresenta uma profunda reflexão sobre a sociedade portuguesa, e é um dos primeiros exemplos de como o diretor abordava o catolicismo, tão importante em sua obra.
Em determinado momento do filme, um dos aldeões declara, de forma metalinguística: “Também eu, todos nós: todos nós temos um papel importante neste ato”. Aí, ao mesmo tempo em que Oliveira está inserindo a sua própria arte dentro da tradição cultural do seu país, ele estava mostrando como a história da Paixão de Cristo faz parte da vida de todos os seres humanos. Portugueses e não portugueses.
O Evangelho Segundo São Mateus é o filme a respeito da Paixão de Cristo que consta na lista dos filmes recomendados pelo vaticano. Fato curioso, pois seu diretor, Pier Paolo Pasolini, era um intelectual marxista que não raro se manifestava publicamente com várias declarações contrárias à igreja.
Contudo, o filme é, de fato, uma das melhores descrições da história de Cristo, pois, assim como fizera Oliveira — e como mais tarde faria Rossellini —, Pasolini adota uma estética que está de acordo com o espírito da história.
Embora não possa ser necessariamente associado ao movimento do neorrealismo italiano, há várias características do Evangelho Segundo São Mateus que são próprias deste movimento — como o minimalismo visual, o aproveitamento de locações reais, o emprego de não atores e as atuações naturalistas e pouco exageradas. A atuação mais minimalista, por exemplo, confere um caráter muito verdadeiro às personagens de Jesus Cristo e de Nossa Senhora.
Embora o filme também não respeite perfeitamente a cronologia dos episódios tal como é apresentada nas Escrituras, ele segue o Evangelho quase letra a letra e talvez seja por essa fidelidade ao texto que a Igreja Católica o tenha aprovado.
Por outro lado, também há inovações artísticas da parte do Pasolini, como a mistura de diferentes ritmos na trilha sonora: além de peças clássicas de Mozart e Bach, por exemplo, há ritmos como o blues e uma sonoridade de origem africana, herança cultural das pesquisas estéticas que o diretor realizou durante as suas viagens ao continente africano. A fotografia propositadamente em preto e branco também diferencia o filme dos épicos americanos do mesmo período, como o citado O Rei dos Reis, do Nicholas Ray e A maior história de todos os tempos, de George Stevens.
É um filme que apresenta uma abordagem bem diferenciada da abordagem hollywoodiana, com uma ênfase que é mais racional do que emotiva, motivo pelo qual muitos o consideram o melhor filme já feito sobre a história de Cristo.
Com uma abordagem semelhante à do filme de Pasolini, O Messias de Rosselini também é marcado por elementos que remetem ao neorrealismo. Ao contrário das superproduções de Hollywood, a narrativa de Rossellini é sóbria e despojada, quase minimalista, e enfatiza a humanidade de Cristo e a singeleza de suas palavras.
Como Pasolini, Rossellini evita os efeitos dramáticos exagerados; seus enquadramentos são austeros, quase sempre abertos; e há um grande aproveitamento de cenários naturais; as atuações também são contidas e pouco espetaculares — escolhas estilísticas conferem um tom meditativo ao filme.
Além disso, há alguns aspectos do filme de Rossellini que não estão presentes em nenhuma das outras produções sobre a vida de Cristo.
Um desses aspectos está na caracterização de Nossa Senhora. Diferentemente da Virgem Maria do Pasolini, por exemplo, que envelhece de maneira quase drástica durante os trinta e três anos de vida de seu Filho, a Virgem Maria retratada por Rossellini permanece com o mesmo rosto durante o filme inteiro — a juventude perene é um reflexo da santidade da personagem. É como se o tempo não a atingisse, como se o seu corpo não estivesse sujeito à corrupção. Outro aspecto singular está na reprodução de pinturas famosas, que confere uma plasticidade muito bonita ao filme, um tom verdadeiramente iconográfico.
Do ponto de vista católico, O Messias é uma reflexão sobre a essência do cristianismo, com ênfase em valores como a compaixão, a justiça e a necessidade de conversão. A simplicidade e, simultaneamente, o poder das palavras de Cristo demonstram a grande força que há na humildade — o que é reforçado pela forma austera do filme.
Dentro do projeto de Rossellini de contar a história universal por meio da arte do cinema, O Messias é um dos seus filmes mais belos, uma continuação de Ato dos Apóstolos, ótima série que ele produzira em 1969. Embora seja menos conhecida do que outras adaptações da vida de Jesus, a obra de Rossellini é um dos filmes mais autênticos e contemplativos já realizados na história do cinema, considerado pela crítica como um dos melhores filmes do cineasta e um dos melhores filmes religiosos da história.
Concebido originalmente como uma série televisiva, o filme de Zeffirelli também se tornaria um marco da cultura de massas, uma das representações da vida de Cristo mais “reverenciadas” no cinema.
Como o Cristo vivido por Enrique Rambal na década de 50, o Cristo interpretado por Robert Powell também se transformaria em um ícone cultural, tendo sua imagem difundida para além do contexto de recepção do filme.
À maneira de Rossellini, embora com uma abordagem mais espetacular, Zefirelli também cria os seus quadros a partir de uma iconografia estabelecida dentro das artes visuais, com composições que remetem à pintura das eras renascentista e romântica.
Embora tenha uma linguagem mais televisiva, Jesus de Nazaré é um filme de grande impacto visual e narrativo, com uma abordagem equilibrada e uma boa abrangência no que diz respeito aos episódios dos Evangelhos que são contemplados. Antes do fenômeno que seria a Paixão de Cristo filmada por Mel Gibson na década de 2000, a produção de Zefirelli teve uma das melhores recepções por parte do público, inclusive no Brasil, onde se tornou uma tradição televisiva em datas específicas.
Animação realizada na técnica stop-motion que se destaca por sua abordagem visual única e por sua fidelidade à história de Cristo. Pelo fato de ser uma animação, o filme aposta na simplicidade dos textos, visto que os produtores consideraram a possibilidade de ele ser direcionado principalmente para o público infanto-juvenil.
Essa preocupação com o público é perceptível também na duração do filme — menor do que a duração dos outros filmes que também abordam a vida de Cristo. Para compensar a extensão menor, vários episódios dos Evangelhos são apenas narrados ou mencionados por algum personagem que tem maior destaque.
O filme de Hayes e Sokolov apresenta a história por uma perspectiva inédita: pelos olhos da menina Tamar, filha de Jairo. Tamar sofria de uma doença fatal e, após a sua morte, foi ressuscitada por Cristo.
Essa nova perspectiva poderia ser apenas um recurso para atrair o público infantil, mas vai além disso. Se considerarmos a passagem do Evangelho em que Cristo diz que é preciso ser como as crianças para entrar no Reino dos Céus, percebemos que faz muito sentido olhar para Sua história a partir do olhar de uma criança. Além disso, o filme enfatiza a questão da fé verdadeira, da fé que nasce de um olhar puro.
Ao contrário de produções convencionais sobre a vida de Jesus — que costumam destacar o realismo e a emoção propriamente dramática —, O Senhor dos milagres tem um tom solene, como se fosse uma meditação visual sobre os Evangelhos. Em vez de empobrecer a história, o recurso da animação a enriquece: à maneira da pintura iconográfica e das imagens na Igreja Católica, as animações em stop-motion criam um símbolo que é imediatamente compreensível.
Há uma grande preocupação com os detalhes do cenário e com outras questões históricas e, embora não haja um destaque para a figura de Nossa Senhora, é um filme belo e sensível, que pode agradar tanto às crianças quanto aos adultos. E, logicamente, é um ótimo filme para ser assistido em família.
Dentro da tradição do filme de espetáculo hollywoodiano, Mel Gibson produziria, em 2004, um dos filmes sobre a Paixão de Cristo que viria a se tornar uma das produções mais bem sucedidas a respeito do tema. É o segundo filme com classificação indicativa para maiores de 18 anos com a maior bilheteria da história do cinema americano. No entanto, o sucesso do filme e algumas de suas abordagens o transformaram em um alvo de críticas de diferentes grupos: protestantes, judeus, católicos, etc.
Com uma produção ousada, que aposta em um grande nível de verossimilhança para retratar os episódios do Calvário, e com os textos todos falados em aramaico, latim e hebraico, o filme de Mel Gibson acabou se transformando em um clássico. Baseado nas visões da beata Ana Catarina Emmerich, o filme é organizado, justamente, a partir dos 14 passos da cruz, embora a estrutura da narrativa não seja cronológica.
Um dos pontos interessantes do filme de Gibson, que o diferencia das outras produções aqui citadas, é o destaque dado ao simbolismo teológico de Nossa Senhora e ao simbolismo da Eucaristia, o que torna um filme explicitamente católico.
É um filme potente e visceral, que pode ser considerado uma grande meditação a respeito do sacrifício redentor de Cristo. A ênfase que Mel Gibson confere à dor e ao sofrimento de Nosso Senhor não é algo meramente gratuito, mas reflete a centralidade da Sua paixão para a teologia cristã. Os elementos propriamente cinematográficos executados com grande refinamento — a trilha sonora, a fotografia, a atuação marcante de Jim Caviezel — contribuem para que, além de espetacular, o filme também seja uma experiência espiritual.
Assim como ocorreu com o filme de Morayta nos anos 50 e com o filme de Zeffirelli nos anos 70, o filme de Mel Gibson também acabaria iniciando uma tradição religiosa, pois é comum que, em muitos contextos religiosos, ele seja assistido durante a Quaresma e a Semana Santa.
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