Frei Jociel Gomes é frade capuchinho, tem 42 anos, e é nascido em Caruaru, Pernambuco, onde reside. É o postulador da causa de canonização de Frei Damião e foi consultor na produção do documentário Frei Damião: o santo do Nordeste, que estreia hoje, 11 de fevereiro, na plataforma da Lumine.
Conversamos com o Frei Jociel a respeito do filme e da sua experiência com frei Damião. Confira a entrevista inédita abaixo.
Qual a primeira recordação que o senhor tem de Frei Damião? Como o senhor conheceu sua história?
Meu primeiro contato com Frei Damião foi verbal, ouvindo meus avós maternos falarem dele e do contato que tiveram com Frei Damião em missões. Aquelas histórias me encantavam, porque eles falavam de Frei Damião como se fala de um santo: admirados pelas palavras, gestos e atitudes daquele missionário.
Inclusive, na casa dos meus avós havia na parede um quadro com a fotografia do frei, o que demonstrava a devoção que eles tinham para com ele. Depois, eu acabei me sentindo chamado para a vida religiosa consagrada, ingressando entre os Capuchinhos, e pude ter um conhecimento mais aprofundado a respeito do Frei Damião.
O que inicialmente mais chamava sua atenção?
Desde aqueles tempos em que meus avós falavam sobre ele até hoje, o que eu mais admiro na figura de Frei Damião é sua capacidade de doação, seu desprendimento, seu ardor missionário. É um homem com um coração todo missionário.
O que caracteriza o carisma e a espiritualidade dos capuchinhos?
As características do carisma capuchinho, nós as devemos ao nosso pai fundador, São Francisco de Assis.
A ordem dos Capuchinhos surgiu como uma grande reforma dentro da família franciscana. Aquilo que se destaca, dentre tantas coisas, é a vida fraterna, a itinerância e a missionariedade, além dos votos de pobreza, castidade e obediência, que todos os religiosos fazem.
Para o senhor, quais aspectos da vida de Frei Damião mais refletem os princípios da ordem dos Capuchinhos?
Na vida de Frei Damião, todas aquelas características estão muito presentes. Ele era um homem muito fraterno, que vivia essa dimensão de “ser irmão” não somente dentro do convento, mas também indo ao encontro de tantos irmãos e irmãs sofridos, especialmente nos interiores e nos sertões nordestinos.
Dentro da linguagem usada hoje pelo Papa Francisco, que trata de ir ao encontro das periferias geográficas e existenciais, vemos que o Frei Damião já praticava tudo isso no seu tempo, indo de lugar em lugar anunciando a palavra de Deus, administrando os sacramentos e conduzindo as pessoas até Jesus. Foi um homem missionário, incansável. Não temos como contar as tantas missões realizadas por ele. Às vezes ele passava meses sem retornar ao convento, indo de cidade em cidade. Isso durante 66 anos.
Em uma canção dedicada a Frei Damião, Luiz Gonzaga diz: “Deu-lhe o destino / viver nordestino / é hoje nosso irmão”. 1 conferir música aqui Quase 25 anos após sua morte, como o senhor percebe a devoção a Frei Damião em cidades do Nordeste?
Frei Damião era italiano e veio para o Brasil em 1931 e realmente se tornou um frade do povo, sempre no meio das gentes nordestinas, fazendo-se irmão de todos, sem fazer distinção de pessoas.
Ele teve a oportunidade de encontrar o povo sofrido, a gente desassistida da região do Nordeste, mas também os abastados, os fazendeiros, os ricos, os políticos, gente de todas as classes sociais, que iam até o Frei Damião, querendo se confessar com ele, tocá-lo, ouvir um conselho ou uma orientação para alguma situação de suas vidas.
Passados praticamente 25 anos da sua morte, a sua memória ainda é vivíssima no meio de nosso povo. As pessoas lhe têm uma grande devoção. Mesmo ele não estando canonizado, há uma grande devoção popular e temos os chamados santuários ou memoriais que lhes são dedicados, como em Recife, onde ele está sepultado, no Convento São Félix, na Capela de Nossa Senhora das Graças, que é um grande espaço de visitação.
Calculamos que cerca de 70 a 100 mil pessoas visitam o túmulo de Frei Damião todos os anos. Também temos outros espaços em Caruaru, São Joaquim do Monte, Ouricuri e a Vila Santa Luzia em Belo Jardim, todos em Pernambuco. Na Paraíba, temos um grande monumento dedicado a Frei Damião na cidade de Guarabira, e também na cidade de Souza.
No Rio Grande do Norte, estão construindo um memorial na cidade de São Miguel. Em Alagoas, na cidade de Canafístula. Sem contar no Ceará, em Sergipe, e em vários outros lugares. Outra coisa importante é que ao entrar na casa das pessoas em cidades dos interiores, sempre há uma fotografia de Frei Damião. Essa devoção vem sendo passada pelos avós e pais aos seus netos e filhos.
O senhor participou como consultor do filme. Como foi essa experiência? O que o deixou mais feliz?
Ter sido consultor do filme foi para mim uma alegria muito grande. Eu sempre gostei de tudo que envolve arte e a sétima arte, o cinema, sempre me encantou. Poder estar ali e contribuir com a construção desse filme, estar nos sets de filmagens, acompanhar a desenvoltura dos atores que encenaram alguns episódios da vida de Frei Damião, podendo inclusive ajudar e dar dicas sobre o que é próprio de um frade, desde colocar uma vestimenta ou sua maneira de agir ou reagir, tudo isso foi muito gratificante e interessante.
Espero que todas as pessoas que puderem assistir ao filme tenham a alegria de conhecer a história desse homem, o que também me deixa muito contente, por saber que contribuí para que as pessoas possam conhecer mais profundamente a história de Frei Damião. Acredito que o filme vai ajudar a manter viva a sua memória e vai matar a saudade das pessoas que o conheceram e que de certo modo conviveram com ele. Será também um instrumento de conhecimento dessa história de vida e santidade para as novas gerações.
Na história de Frei Damião, o que o público católico encontrará? E o público ainda mais amplo, por que deve conhecer a vida do “Santo do Nordeste”?
Ao pensar na construção do filme, a diretora Deby Brennand, a roteirista Nadezhda Bezerra e eu gostaríamos que as pessoas conhecessem o santo mas também o homem por trás dessa figura. Por isso nós fomos à Itália, para ter contato com a sua terra natal, para ouvir familiares, e poder dessa forma adquirir todo material necessário para podermos passar essa mensagem.
Ao público católico, o filme transmite uma mensagem de fé, de esperança, de alguém comprometido com a causa do Reino de Deus, com a Evangelização, com a Missão. Penso que o filme representa bem o que o próprio Frei Damião costumava dizer: “Nossa Missão é continuar a obra de Jesus Cristo.”
O público não católico, além disso, vai poder ver a história de um homem que deixou tudo para trás, inclusive sua própria pátria em busca de um ideal. Nisso, Frei Damião também é um grande referencial.
Independente de credo religioso, ao ver o filme você vai perceber alguém que desde a infância até a idade avançada sempre perseguiu seu ideal, nunca desistiu. Foi incansável, buscando sobreviver em todos os momentos, diante de todas as situações.
Para se ter uma ideia, Frei Damião chega no Brasil no início da década de 1930 e morre em 1997, então ele teve a oportunidade de atravessar diversas situações históricas e políticas do nosso país. Quando ele chega, ainda havia resquícios do período imperial, na República Velha na Era Vargas, depois a Ditadura Militar, a Redemocratização, e ele atravessou tudo isso evangelizando o Nordeste, escutando as agruras da nossa gente. Uma coisa que se destaca muito na vida dele é a escuta, não só dos pecados, mas a partilha das alegrias e das dores do nosso povo.
Todos que forem ver o filme vão poder tirar essa mensagem: ele é alguém que perseguiu e lutou até o fim por um ideal de vida.
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Frei Damião: o santo do Nordeste estará disponível na Lumine a partir do dia 11 de fevereiro. Assine agora e tenha acesso a esse e a centenas de outros filmes e documentários inspiradores.
