John Ford é um cineasta que atravessou várias fases da história do cinema. Sua produção iniciou ainda na era dos filmes silenciosos, passou pela Hollywood Clássica, e foi concluída durante a dissolução deste último período.
E Ford sempre foi um diretor prolífico. Por isso, não são poucas as obras-primas que podemos encontrar em sua filmografia. Assim, é natural que alguns de seus filmes tenham ficado mais conhecidos do que outros.
O cineasta é geralmente lembrado por filmes como No tempo das diligências, Paixão dos fortes e Rastros de Ódio, obras que, de certa forma, foram revolucionárias dentro des seus contextos de surgimento. Mas, para além desses títulos mais conhecidos, há várias pérolas de Ford que merecem ser redescobertas pelo público atual.
Entre estas obras, podemos destacar o filme O céu mandou alguém, produzido em 1948. Sob o pano de fundo do faroeste, o filme é uma fábula com forte cunho religioso, com elementos que remetem explicitamente aos episódios bíblicos do nascimento de Jesus Cristo e da peregrinação dos três reis magos do Oriente à cidade de Belém.
O céu mandou alguém conta a história de três bandidos, ladrões de gado e assaltantes de bancos: Abilene Kid (Harry Carey Jr.), Bob Hightower (John Wayne) e Pedro Roca Fuerte (Pedro Armendáriz).
No início do filme, eles estão chegando à cidade de Welcome, no Arizona. Depois de roubar o banco da cidade, os três fogem para o deserto. Contudo, os bandidos subestimam o xerife de Welcome, Perley Sweet (Ward Bond), que é muito mais astuto do que eles pensavam.
Perley começa a persegui-los pelo deserto. No desenvolvimento da narrativa, cria-se um duelo entre ele e Hightower, personagem de Wayne: às vezes Hightower elabora uma manobra mais inteligente que a de Perley; outras vezes, Perley consegue ser mais inteligente e antecipa os movimentos de Hightower. Nesse duelo, surge também uma relação de admiração mútua, que será fundamental para o caminho de redenção que é percorrido por Hightower.
A estratégia empregada por Perley obriga os bandidos a cruzarem o imenso deserto sem poderem beber água. Além disso, para sua fuga ser bem sucedida, os três precisam sempre percorrer o caminho mais árduo; evitar os atalhos e fazer as escolhas mais difíceis. Nesse sentido, a própria fuga já é um início da expiação pela qual eles precisarão passar.
No meio do caminho, eles encontram uma mulher grávida, abandonada em uma carroça. Ela consegue dar à luz a seu filho, mas está em uma condição muito frágil para sobreviver. Antes de partir, no entanto, ela consegue fazer com que Hightower e seus companheiros prometam que irão cuidar de seu filho pelo resto de suas vidas — daí o título original do filme: 3 godfathers, “três padrinhos”, literalmente.
Nas sequências que retratam os primeiros cuidados com a criança, o filme toma um novo rumo. A narrativa que iniciou com um tom épico e aventureiro — típico do faroeste —, e que, durante a travessia do deserto — principalmente depois da tempestade de areia enfrentada pelos três bandidos — havia adquirido um tom ligeiramente melancólico, adquire um toque cômico, que marca o meio da peregrinação do bando de Hightower.
Depois, numa demonstração de que a história de redenção dos três bandidos é a história da salvação da humanidade inteira — pois é uma alegoria da história do nascimento do Salvador —, a narrativa se desenvolve a partir de coincidências inexplicáveis, as quais, justamente, inscrevem os três personagens numa cosmogonia.
Entre os livros deixados pela mulher grávida, eles encontram uma Bíblia. E é a leitura da Bíblia que guiará os seus próximos passos, até a chegada na cidade de Nova Jerusalém. São elementos bem explícitos, mas Ford não os emprega de um modo óbvio nem sentimental, e aí está uma das grandes qualidades do seu filme: O céu mandou alguém não deixa de ser um faroeste, com elementos característicos do gênero; também não deixa de ser um filme com temas tipicamente “fordianos”; mas, ao mesmo tempo, é uma das melhores alegorias cristãs da história do cinema.
Como as ações dos três bandidos/peregrinos estão inseridas em uma cosmogonia, a travessia do deserto não é apenas uma circunstância fortuita em suas vidas. À maneira de alguns dos apóstolos de Cristo, Hightower e seus companheiros precisam “atravessar o deserto” para mudar de mentalidade e encontrar sua “salvação”. Para que eles sejam dignos da redenção, é preciso que expiem os seus pecados. Aí, depois de terem tomado várias decisões erradas em suas vidas, é por meio da caridade que eles encontram a oportunidade dessa expiação.
Os acontecimentos e sentimentos “sombrios” presentes no filme expressam, na verdade, uma visão otimista da existência — e profundamente católica. Contra um suposto “espírito de Natal” fabricado pela publicidade e baseado em valores superficiais, Ford apresenta uma história situada no meio deserto, nos quais os indivíduos encontram-se angustiados, abatidos e destituídos de quase tudo. Mas essa circunstância angustiante não deixa de ser “natalina”.
Há uma “mensagem de Natal” escrita pelo filósofo Olavo de Carvalho que descreve muito bem esse sentimento de angústia que precede o nascimento de Deus no meio dos homens:
nada expressa melhor o sentido do Natal do que essa angústia, essa inquietação, esse pressentimento sombrio que antecedem o nascimento de Cristo. É um simbolismo eterno que se repete nos fatos materiais da vida. Os dias que precedem o Natal são os da matança dos inocentes, da fuga para o deserto, da Sagrada Família a bater em vão de porta em porta, em demanda de um abrigo inexistente. Um Deus vai nascer. O mundo treme e se apressa, como Herodes, para tentar matá-Lo.
Como podemos ver no desenvolvimento de O céu mandou alguém, John Ford parece compreender muito bem este simbolismo.
De toda forma, os elementos trágicos da história são compensados por sua beleza intrínseca. Boa parte dessa beleza está na qualidade visual do filme. É o segundo filme colorido de Ford, filmado em technicolor, e ele explora o recurso com maestria. Embora as imagens não sejam tão saturadas quanto as de outros filmes que empregaram o technicolor, Ford cria belas composições onde a cor exerce um papel fundamental.
As imagens dos três peregrinos atravessando o deserto remetem às representações clássicas dos três reis magos do Oriente; mas, no contexto do filme, elas expressam a ambiguidade dessa travessia: o deserto é uma paisagem deslumbrante, um reflexo da grandiosidade da natureza, mas, ao mesmo tempo, também é um lugar inóspito, lugar de expiação e de penitência, de angústia e de alucinação. Mas é no meio desse lugar inóspito que é possível resplandecer a luz pela qual todos os homens buscam — direta ou indiretamente.
Nesse sentido, Ford cria uma imagem lapidar, de rara e profunda beleza: no meio do deserto, iluminada apenas pela luz de um lampião, a carroça onde uma mãe moribunda dá luz ao seu filho assemelha-se à gruta de Belém. O lugar mais humilde possível que, de repente, iluminado pela presença da vida, transforma-se no lugar mais majestoso.
É verdade que todos esses signos e metáforas presentes no filme aparecem de forma bem explícita, mas Ford equilibra essa explicitude com uma refinada construção de cenas e com uma precisa direção dos atores. Nesse sentido, é possível observar que as interações entre as personagens são sempre muito interessantes, mesmo quando se trata de situações banais.
O céu mandou alguém não é um filme didático. A profundidade emocional da sua história se deve, antes de tudo, ao poder de sua narrativa visual e dramática.
Outro elemento importante é a sua trilha sonora. É na letra de algumas das canções que pontuam alguns momentos do filme que encontramos um discurso religioso mais explícito, mas, ainda assim, nunca de forma didática.
Ford e o diretor musical Richard Hageman escolheram canções muito singulares para a trilha. Canções religiosas famosas nos Estados Unidos como Shall we gather at the River?, The streets of Laredo, Silent night e Bringing in the Sheaves.
Aliadas à música original composta por Hageman, essas canções são responsáveis pela criação de cenas singelamente belas, como a do funeral da mãe das crianças, a da morte de Abilene Kid, ou mesmo de momentos menos dramáticos como o início e o final do filme.
Por exemplo: no início do filme, ouvimos a canção The streets of Laredo ao fundo. A primeira imagem nos mostra um cowboy em seu cavalo, em um ícone típico do faroeste. Enquanto ouvimos essa canção ao fundo, aparece um letreiro homenageando o falecido ator Harry Carey. Carey foi um dos melhores amigos de Ford e, segundo o próprio cineasta, um de seus mentores e padrinhos na indústria do cinema. Mas, para além dessa homenagem, a canção é um elemento que rima com um momento posterior da narrativa, quando a personagem do Abilene Kid canta a canção dentro da história. O detalhe importante é que o personagem é interpretado por Harry Carey Jr., filho do grande amigo de Ford.
Mais importante ainda: a homenagem de Ford vai além da mera lembrança, é uma declaração da crença na vida eterna. Declaração que é reforçada pela canção que aparece no final do filme, Bringing in the Sheaves, famoso hino protestante baseado no salmo 126. Neste texto bíblico, lemos os seguintes versos:
Iam e vinham chorando,
enquanto lançavam suas sementes.
Mas, quando voltarem, virão contentes,
trazendo seus feixes.
Aí, nessa escolha de um elemento muito sutil, concretiza-se a ideia de Ford da vida humana como uma peregrinação. Não foi à toa que, no famoso estudo que dedicou à obra do cineasta, Tag Gallagher resumiu o sentido de O Céu mandou alguém da seguinte maneira:
“O filme é uma síntese de todos os temas de Ford. A vida não é um vagar sem sentido, mas uma peregrinação que culmina numa espécie de epifania, decretada de alguma forma por Deus — a redenção (talvez a imolação). A salvação pode exigir um grande esforço, mas, ao fim de tudo, a graça de Deus nos salva, de uma forma miraculosa, que ultrapassa a nossa compreensão. É comum Ford associar o Natal à chegada da graça, [da redenção].”
Para além da ação extraordinária e da afirmação de valores como honra, sacrifício, nobreza, coragem, etc. — características comuns à mitologia do faroeste —, Ford inscreve a história da humanidade na criação do mundo e a história de cada indivíduo na dimensão da eternidade.
John Ford é um cineasta que atravessou várias fases da história do cinema. Sua produção iniciou ainda na era dos filmes silenciosos, passou pela Hollywood Clássica, e foi concluída durante a dissolução deste último período.
E Ford sempre foi um diretor prolífico. Por isso, não são poucas as obras-primas que podemos encontrar em sua filmografia. Assim, é natural que alguns de seus filmes tenham ficado mais conhecidos do que outros.
O cineasta é geralmente lembrado por filmes como No tempo das diligências, Paixão dos fortes e Rastros de Ódio, obras que, de certa forma, foram revolucionárias dentro des seus contextos de surgimento. Mas, para além desses títulos mais conhecidos, há várias pérolas de Ford que merecem ser redescobertas pelo público atual.
Entre estas obras, podemos destacar o filme O céu mandou alguém, produzido em 1948. Sob o pano de fundo do faroeste, o filme é uma fábula com forte cunho religioso, com elementos que remetem explicitamente aos episódios bíblicos do nascimento de Jesus Cristo e da peregrinação dos três reis magos do Oriente à cidade de Belém.
O céu mandou alguém conta a história de três bandidos, ladrões de gado e assaltantes de bancos: Abilene Kid (Harry Carey Jr.), Bob Hightower (John Wayne) e Pedro Roca Fuerte (Pedro Armendáriz).
No início do filme, eles estão chegando à cidade de Welcome, no Arizona. Depois de roubar o banco da cidade, os três fogem para o deserto. Contudo, os bandidos subestimam o xerife de Welcome, Perley Sweet (Ward Bond), que é muito mais astuto do que eles pensavam.
Perley começa a persegui-los pelo deserto. No desenvolvimento da narrativa, cria-se um duelo entre ele e Hightower, personagem de Wayne: às vezes Hightower elabora uma manobra mais inteligente que a de Perley; outras vezes, Perley consegue ser mais inteligente e antecipa os movimentos de Hightower. Nesse duelo, surge também uma relação de admiração mútua, que será fundamental para o caminho de redenção que é percorrido por Hightower.
A estratégia empregada por Perley obriga os bandidos a cruzarem o imenso deserto sem poderem beber água. Além disso, para sua fuga ser bem sucedida, os três precisam sempre percorrer o caminho mais árduo; evitar os atalhos e fazer as escolhas mais difíceis. Nesse sentido, a própria fuga já é um início da expiação pela qual eles precisarão passar.
No meio do caminho, eles encontram uma mulher grávida, abandonada em uma carroça. Ela consegue dar à luz a seu filho, mas está em uma condição muito frágil para sobreviver. Antes de partir, no entanto, ela consegue fazer com que Hightower e seus companheiros prometam que irão cuidar de seu filho pelo resto de suas vidas — daí o título original do filme: 3 godfathers, “três padrinhos”, literalmente.
Nas sequências que retratam os primeiros cuidados com a criança, o filme toma um novo rumo. A narrativa que iniciou com um tom épico e aventureiro — típico do faroeste —, e que, durante a travessia do deserto — principalmente depois da tempestade de areia enfrentada pelos três bandidos — havia adquirido um tom ligeiramente melancólico, adquire um toque cômico, que marca o meio da peregrinação do bando de Hightower.
Depois, numa demonstração de que a história de redenção dos três bandidos é a história da salvação da humanidade inteira — pois é uma alegoria da história do nascimento do Salvador —, a narrativa se desenvolve a partir de coincidências inexplicáveis, as quais, justamente, inscrevem os três personagens numa cosmogonia.
Entre os livros deixados pela mulher grávida, eles encontram uma Bíblia. E é a leitura da Bíblia que guiará os seus próximos passos, até a chegada na cidade de Nova Jerusalém. São elementos bem explícitos, mas Ford não os emprega de um modo óbvio nem sentimental, e aí está uma das grandes qualidades do seu filme: O céu mandou alguém não deixa de ser um faroeste, com elementos característicos do gênero; também não deixa de ser um filme com temas tipicamente “fordianos”; mas, ao mesmo tempo, é uma das melhores alegorias cristãs da história do cinema.
Como as ações dos três bandidos/peregrinos estão inseridas em uma cosmogonia, a travessia do deserto não é apenas uma circunstância fortuita em suas vidas. À maneira de alguns dos apóstolos de Cristo, Hightower e seus companheiros precisam “atravessar o deserto” para mudar de mentalidade e encontrar sua “salvação”. Para que eles sejam dignos da redenção, é preciso que expiem os seus pecados. Aí, depois de terem tomado várias decisões erradas em suas vidas, é por meio da caridade que eles encontram a oportunidade dessa expiação.
Os acontecimentos e sentimentos “sombrios” presentes no filme expressam, na verdade, uma visão otimista da existência — e profundamente católica. Contra um suposto “espírito de Natal” fabricado pela publicidade e baseado em valores superficiais, Ford apresenta uma história situada no meio deserto, nos quais os indivíduos encontram-se angustiados, abatidos e destituídos de quase tudo. Mas essa circunstância angustiante não deixa de ser “natalina”.
Há uma “mensagem de Natal” escrita pelo filósofo Olavo de Carvalho que descreve muito bem esse sentimento de angústia que precede o nascimento de Deus no meio dos homens:
nada expressa melhor o sentido do Natal do que essa angústia, essa inquietação, esse pressentimento sombrio que antecedem o nascimento de Cristo. É um simbolismo eterno que se repete nos fatos materiais da vida. Os dias que precedem o Natal são os da matança dos inocentes, da fuga para o deserto, da Sagrada Família a bater em vão de porta em porta, em demanda de um abrigo inexistente. Um Deus vai nascer. O mundo treme e se apressa, como Herodes, para tentar matá-Lo.
Como podemos ver no desenvolvimento de O céu mandou alguém, John Ford parece compreender muito bem este simbolismo.
De toda forma, os elementos trágicos da história são compensados por sua beleza intrínseca. Boa parte dessa beleza está na qualidade visual do filme. É o segundo filme colorido de Ford, filmado em technicolor, e ele explora o recurso com maestria. Embora as imagens não sejam tão saturadas quanto as de outros filmes que empregaram o technicolor, Ford cria belas composições onde a cor exerce um papel fundamental.
As imagens dos três peregrinos atravessando o deserto remetem às representações clássicas dos três reis magos do Oriente; mas, no contexto do filme, elas expressam a ambiguidade dessa travessia: o deserto é uma paisagem deslumbrante, um reflexo da grandiosidade da natureza, mas, ao mesmo tempo, também é um lugar inóspito, lugar de expiação e de penitência, de angústia e de alucinação. Mas é no meio desse lugar inóspito que é possível resplandecer a luz pela qual todos os homens buscam — direta ou indiretamente.
Nesse sentido, Ford cria uma imagem lapidar, de rara e profunda beleza: no meio do deserto, iluminada apenas pela luz de um lampião, a carroça onde uma mãe moribunda dá luz ao seu filho assemelha-se à gruta de Belém. O lugar mais humilde possível que, de repente, iluminado pela presença da vida, transforma-se no lugar mais majestoso.
É verdade que todos esses signos e metáforas presentes no filme aparecem de forma bem explícita, mas Ford equilibra essa explicitude com uma refinada construção de cenas e com uma precisa direção dos atores. Nesse sentido, é possível observar que as interações entre as personagens são sempre muito interessantes, mesmo quando se trata de situações banais.
O céu mandou alguém não é um filme didático. A profundidade emocional da sua história se deve, antes de tudo, ao poder de sua narrativa visual e dramática.
Outro elemento importante é a sua trilha sonora. É na letra de algumas das canções que pontuam alguns momentos do filme que encontramos um discurso religioso mais explícito, mas, ainda assim, nunca de forma didática.
Ford e o diretor musical Richard Hageman escolheram canções muito singulares para a trilha. Canções religiosas famosas nos Estados Unidos como Shall we gather at the River?, The streets of Laredo, Silent night e Bringing in the Sheaves.
Aliadas à música original composta por Hageman, essas canções são responsáveis pela criação de cenas singelamente belas, como a do funeral da mãe das crianças, a da morte de Abilene Kid, ou mesmo de momentos menos dramáticos como o início e o final do filme.
Por exemplo: no início do filme, ouvimos a canção The streets of Laredo ao fundo. A primeira imagem nos mostra um cowboy em seu cavalo, em um ícone típico do faroeste. Enquanto ouvimos essa canção ao fundo, aparece um letreiro homenageando o falecido ator Harry Carey. Carey foi um dos melhores amigos de Ford e, segundo o próprio cineasta, um de seus mentores e padrinhos na indústria do cinema. Mas, para além dessa homenagem, a canção é um elemento que rima com um momento posterior da narrativa, quando a personagem do Abilene Kid canta a canção dentro da história. O detalhe importante é que o personagem é interpretado por Harry Carey Jr., filho do grande amigo de Ford.
Mais importante ainda: a homenagem de Ford vai além da mera lembrança, é uma declaração da crença na vida eterna. Declaração que é reforçada pela canção que aparece no final do filme, Bringing in the Sheaves, famoso hino protestante baseado no salmo 126. Neste texto bíblico, lemos os seguintes versos:
Iam e vinham chorando,
enquanto lançavam suas sementes.
Mas, quando voltarem, virão contentes,
trazendo seus feixes.
Aí, nessa escolha de um elemento muito sutil, concretiza-se a ideia de Ford da vida humana como uma peregrinação. Não foi à toa que, no famoso estudo que dedicou à obra do cineasta, Tag Gallagher resumiu o sentido de O Céu mandou alguém da seguinte maneira:
“O filme é uma síntese de todos os temas de Ford. A vida não é um vagar sem sentido, mas uma peregrinação que culmina numa espécie de epifania, decretada de alguma forma por Deus — a redenção (talvez a imolação). A salvação pode exigir um grande esforço, mas, ao fim de tudo, a graça de Deus nos salva, de uma forma miraculosa, que ultrapassa a nossa compreensão. É comum Ford associar o Natal à chegada da graça, [da redenção].”
Para além da ação extraordinária e da afirmação de valores como honra, sacrifício, nobreza, coragem, etc. — características comuns à mitologia do faroeste —, Ford inscreve a história da humanidade na criação do mundo e a história de cada indivíduo na dimensão da eternidade.
O professor Sérgio Resende explica os símbolos do presépio e mostra como eles são fundamentais para as nossas próprias vidas.
Ler artigoDe 20 a 24 de dezembro, aproveite a programação especial e gratuita que a Lumine preparou para o melhor Natal da sua vida.
Ler artigoConfira a entrevista exclusiva com o Padre Márlon Múcio sobre o filme Milagre Vivo.
Ler artigo