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O que é uma experiência estética?
Por Francisco Escorsim
|
25.fev.2025
Midle Dot

Das minhas primeiras memórias cinematográficas, míticas mesmo. 

E.T. estreou no Brasil no natal de 1982, eu tinha 7 anos de idade. Assisti no cine Condor, que ficava na esquina das ruas Ébano Pereira com a Cruz Machado, em Curitiba. Era um cinema imponente, luxuoso até. 

A sala estava lotada e só conseguimos lugar na primeira fileira de cadeiras, não existia lugar marcado. E era mais pra cadeira mesmo, não como essas poltronas de hoje em dia, confortáveis, reclináveis etc. 

Fiquei praticamente debaixo da tela, obrigado a dobrar o pescoço quase em 90º para conseguir enxergar, o que nunca era tudo, fazendo parecer que eu estava dentro do filme. Talvez tenha sido por causa disso que na cena em que o E.T. se revela a Elliot, com ambos gritando, eu gritei junto e me joguei pra debaixo da cadeira.   

Do restante daquele dia, tenho apenas flashes na memória. Já revi várias vezes o filme, consigo imaginar o que senti assistindo pela primeira vez, mas nada consegue chegar perto da vivacidade daquele susto, do salto da cadeira, de espiar pelo vão entre o encosto e o assento. 

Quando penso no que seria uma experiência estética, no quanto a obra de arte precisa nos “capturar” para dentro de seu mundo, é esse dia que me vem como começo de conversa

Já ouviu falar de “suspensão da descrença”, leitor? É uma expressão cunhada em 1817, pelo poeta e filósofo inglês Samuel Taylor Coleridge. Consta de sua autobiografia intitulada Biographia Literaria, na qual mais medita sobre a arte, a experiência estética, essas coisas, do que conta sua vida. 

Coleridge utilizou essa expressão para explicar como o leitor pode apreciar obras literárias que envolvem elementos sobrenaturais ou fantásticos, argumentando que, para que a poesia (e, por extensão, outras formas de arte) seja “eficaz”, o leitor (ou espectador) deve estar disposto a suspender sua descrença e aceitar a verossimilhança da história, mesmo que ela contenha elementos (quase) irreais.  

Mas isso é necessário não apenas com os elementos fantásticos ou sobrenaturais, mas para a própria história em si, qualquer que seja, afinal, é uma obra de ficção. Sem uma prévia descrença da sua irrealidade e uma crença consequente na sua verossimilhança com a realidade é impossível viver uma experiência estética.

É só quando isso acontece que entramos no mundo da obra e nele permanecemos. O olhar técnico, crítico, a análise, as comparações, avaliações, tudo isso deveria vir depois, com segundas e terceiras leituras ou assistências. Aliás, sobre a importância de rever um filme, confira o texto do Matheus Cartaxo aqui no blog.

Volto ao meu susto, que tão vivo permanece em mim, como se fosse ontem, mesmo. Por que tão memorável? Pela intensidade da emoção apenas? Mas tomei sustos maiores na infância que não são tão memoráveis assim. Não, aquele susto é o que é porque foi parte integrante da experiência de participar do filme, não apenas assisti-lo. Eis a experiência estética.

Por que você acha que uma sala de cinema tem tela tão imensa, um som tão potente e uma escuridão tamanha que faz o espectador “desaparecer” e ficar imerso em algo mais do que apenas imagens na tela? 

Para que a experiência de ser capturado e participar da história  possa de fato acontecer. Quanto mais “conquistados” formos pelo filme, mais “eficaz” ele se torna em nós. Um dos aspectos dessa eficácia está justamente no quão memorável ela se torna. Foi o que E.T. fez com o piá que fui. 

É possível antever como uma verdadeira experiência estética tem o poder de nos formar ou nos transformar, ainda que de forma imperceptível, não? Mas isso é papo para outro post no futuro. 


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E.T. estreou no Brasil no natal de 1982, eu tinha 7 anos de idade. Assisti no cine Condor, que ficava na esquina das ruas Ébano Pereira com a Cruz Machado, em Curitiba. Era um cinema imponente, luxuoso até. 

A sala estava lotada e só conseguimos lugar na primeira fileira de cadeiras, não existia lugar marcado. E era mais pra cadeira mesmo, não como essas poltronas de hoje em dia, confortáveis, reclináveis etc. 

Fiquei praticamente debaixo da tela, obrigado a dobrar o pescoço quase em 90º para conseguir enxergar, o que nunca era tudo, fazendo parecer que eu estava dentro do filme. Talvez tenha sido por causa disso que na cena em que o E.T. se revela a Elliot, com ambos gritando, eu gritei junto e me joguei pra debaixo da cadeira.   

Do restante daquele dia, tenho apenas flashes na memória. Já revi várias vezes o filme, consigo imaginar o que senti assistindo pela primeira vez, mas nada consegue chegar perto da vivacidade daquele susto, do salto da cadeira, de espiar pelo vão entre o encosto e o assento. 

Quando penso no que seria uma experiência estética, no quanto a obra de arte precisa nos “capturar” para dentro de seu mundo, é esse dia que me vem como começo de conversa

Já ouviu falar de “suspensão da descrença”, leitor? É uma expressão cunhada em 1817, pelo poeta e filósofo inglês Samuel Taylor Coleridge. Consta de sua autobiografia intitulada Biographia Literaria, na qual mais medita sobre a arte, a experiência estética, essas coisas, do que conta sua vida. 

Coleridge utilizou essa expressão para explicar como o leitor pode apreciar obras literárias que envolvem elementos sobrenaturais ou fantásticos, argumentando que, para que a poesia (e, por extensão, outras formas de arte) seja “eficaz”, o leitor (ou espectador) deve estar disposto a suspender sua descrença e aceitar a verossimilhança da história, mesmo que ela contenha elementos (quase) irreais.  

Mas isso é necessário não apenas com os elementos fantásticos ou sobrenaturais, mas para a própria história em si, qualquer que seja, afinal, é uma obra de ficção. Sem uma prévia descrença da sua irrealidade e uma crença consequente na sua verossimilhança com a realidade é impossível viver uma experiência estética.

É só quando isso acontece que entramos no mundo da obra e nele permanecemos. O olhar técnico, crítico, a análise, as comparações, avaliações, tudo isso deveria vir depois, com segundas e terceiras leituras ou assistências. Aliás, sobre a importância de rever um filme, confira o texto do Matheus Cartaxo aqui no blog.

Volto ao meu susto, que tão vivo permanece em mim, como se fosse ontem, mesmo. Por que tão memorável? Pela intensidade da emoção apenas? Mas tomei sustos maiores na infância que não são tão memoráveis assim. Não, aquele susto é o que é porque foi parte integrante da experiência de participar do filme, não apenas assisti-lo. Eis a experiência estética.

Por que você acha que uma sala de cinema tem tela tão imensa, um som tão potente e uma escuridão tamanha que faz o espectador “desaparecer” e ficar imerso em algo mais do que apenas imagens na tela? 

Para que a experiência de ser capturado e participar da história  possa de fato acontecer. Quanto mais “conquistados” formos pelo filme, mais “eficaz” ele se torna em nós. Um dos aspectos dessa eficácia está justamente no quão memorável ela se torna. Foi o que E.T. fez com o piá que fui. 

É possível antever como uma verdadeira experiência estética tem o poder de nos formar ou nos transformar, ainda que de forma imperceptível, não? Mas isso é papo para outro post no futuro. 


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