Se o título original lhe pareceu desconhecido, a tradução brasileira como O Clube dos Cinco deve bastar para lhe fazer lembrar. Se ainda assim você não sabe de que filme estou falando, então vou apelar para sua memória de Sessão da Tarde.
Tenho certeza que conhece o icônico Curtindo a Vida Adoidado (Ferris Bueller’s Day Off), reprisado à exaustão nas tardes da Globo por décadas. É outro dos filmes escritos e dirigidos por John Hughes. O Clube dos Cinco também costumava frequentar a Sessão da Tarde, mas muito menos do que seu irmão um ano mais novo.
Ambos retratam a vida adolescente, particularmente a fase final dela, quando a vida adulta está esperando ali na esquina. Na verdade, toda filmografia de Hughes como diretor é sobre amadurecimento, o que significa que vale a pena conferir a sua obra mais de perto.
“Sixteen Candles” (Gatinhas & Gatões), “The Breakfast Club”, “Weird Science” (Mulher Nota 1000) e “Ferris Bueller’s Day Off” revelam o código genético da adolescência: adolescentes não são adultos pequenos nem crianças grandes, mas existem numa dimensão própria, com suas regras, medos e sonhos.
Hughes desmistifica a ideia de que problemas adolescentes seriam “frescura” ou exagero. Ele legitima a dor de crescer, mostrando que os dramas, por mais banais que possam parecer, são sintomas de algo mais profundo: a necessidade de ser compreendido e amado, o medo de não ser aceito nem amado, a busca por um lugar no mundo e o temor de não conseguir encontrá-lo.
Com “Planes, Trains and Automobiles” (Antes Só do que Mal Acompanhado) e “She’s Having a Baby” (Ela vai ter um bebê)”, vemos que apenas crescer não nos torna adultos maduros. Muitas vezes somos apenas adolescentes mais velhos assoberbados de responsabilidades.
Esta fase revela a grande mentira, vendida por aí há décadas, de que na vida adulta você é quem decide ser. Amadurecer significa também perder essa ilusão, vivendo um processo contínuo de descobertas, repletas mais de aceitação das imperfeições e circunstâncias do que de realizações e conquistas ideais.
“Uncle Buck” (Quem Vê Cara Não Vê Coração) e “Curly Sue” (A Malandrinha) completam o retrato desse processo, com adultos imaturos deixando de ser quando decidem assumir o cuidado por outros, tornando-se figuras paternais responsáveis.
A partir daqui Hughes não dirigiu mais filmes, seguindo como roteirista e produtor, mas mantendo o interesse por histórias de família, como na franquia “Esqueceram de Mim” e os dois primeiros “Beethoven”, dentre outros filmes.
Nesse sentido, a obra de Hughes não apenas reflete o imaginário da juventude de sua época, mas atua como um catalisador para a formação de um imaginário mais autêntico e compassivo, tanto para quem vive a adolescência quanto para quem a revisita.
Os adolescentes de 2025 enfrentam pressões muito diferentes dos adolescentes da década de 1980, quando nem se sonhava com redes sociais, virtualização das relações pessoais, polarização política extrema e por aí vai.
Mas o retrato que os filmes de Hughes fazem da essência do que é ser adolescente os torna atuais para qualquer época, seja a de hoje, 40 anos depois, seja a de muito antes, como na adolescência do próprio Hughes, nos anos 1960.
Em particular “O Clube dos Cinco”, o mais atemporal de todos, pois mostra com maestria a distância que todo adolescente constrói entre o que aparenta ser e sua realidade interior, feita mais de dúvidas e incertezas sobre si. Como se diz na famosa fala do filme: “Somos todos muito bizarros. Alguns apenas são melhores em esconder isso”.
As “tribos” de 1985 (atletas, nerds, princesas, “maloqueiros”, “esquisitos” etc.) podem não ser as mesmas de hoje em dia. Os rótulos podem ter mudado, mas a necessidade humana dos adolescentes de “etiquetarem” os outros e a si próprios para tentar parecer que sabem quem são, permanece a mesma, porque é da condição humana nessa fase da vida.
O que o filme faz é, aos poucos, desnudar os cinco adolescentes representativos de tribos diferentes para mostrar que, por trás dos rótulos, eles são mais parecidos do que imaginam. No fim das contas, “O Clube dos Cinco” revela algo atemporal dos adolescentes de qualquer tempo e idade: a experiência universal de se sentir perdido e buscar conexões autênticas.
Em todos os filmes de Hughes essas conexões acontecem, tendo em alguns a formação da família como o lugar de destino ou morada dos vínculos principais. Na vida pessoal de Hughes também foi assim. Era um adolescente solitário e meio nerd, casando-se aos 20 anos com aquela que conhecera quando adolescentes, a cheerleader Nancy Ludwig. Tiveram dois filhos e permaneceram casados por 39 anos, até a morte de Hughes os separar em 2009.
Quarenta anos depois, quando adolescentes enfrentam crises de ansiedade por (falta de) curtidas no Instagram ou se sentem pressionados a ter uma “marca pessoal” antes mesmo de descobrir quem são, os filmes de Hughes continuam sendo um convite a este encontro consigo e com o outro.
Há um diálogo em “O Clube dos Cinco” que resume muito bem como isso pode acontecer. A “princesa” está fazendo a maquiagem da “esquisita”, quando disse: “Sabe, você fica muito melhor sem toda essa merda preta debaixo dos seus olhos”. Ao que a esquisita respondeu: “Ei, eu gosto dessa merda preta…” e perguntou: “Por que você está sendo tão legal comigo?”. Resposta da outra: “Porque você está me deixando ser.”
Em um mundo que insiste em categorizar e compartimentar, onde a superficialidade muitas vezes prevalece, o legado de John Hughes permanece atual, iluminando a verdade de que, por trás de toda aparência, reside uma humanidade compartilhada e anseios universais. A capacidade de “deixar o outro ser”, de enxergar além dos rótulos e de construir pontes através da vulnerabilidade e da aceitação mútua, não apenas nunca sai de moda, como se tornou uma necessidade cada vez mais urgente.
P.s.: Este filme também tem uma bela trilha sonora. Um canal no YT fez um tributo ao filme usando a música mais icônica da obra. Deixo como aperitivo.
Se o título original lhe pareceu desconhecido, a tradução brasileira como O Clube dos Cinco deve bastar para lhe fazer lembrar. Se ainda assim você não sabe de que filme estou falando, então vou apelar para sua memória de Sessão da Tarde.
Tenho certeza que conhece o icônico Curtindo a Vida Adoidado (Ferris Bueller’s Day Off), reprisado à exaustão nas tardes da Globo por décadas. É outro dos filmes escritos e dirigidos por John Hughes. O Clube dos Cinco também costumava frequentar a Sessão da Tarde, mas muito menos do que seu irmão um ano mais novo.
Ambos retratam a vida adolescente, particularmente a fase final dela, quando a vida adulta está esperando ali na esquina. Na verdade, toda filmografia de Hughes como diretor é sobre amadurecimento, o que significa que vale a pena conferir a sua obra mais de perto.
“Sixteen Candles” (Gatinhas & Gatões), “The Breakfast Club”, “Weird Science” (Mulher Nota 1000) e “Ferris Bueller’s Day Off” revelam o código genético da adolescência: adolescentes não são adultos pequenos nem crianças grandes, mas existem numa dimensão própria, com suas regras, medos e sonhos.
Hughes desmistifica a ideia de que problemas adolescentes seriam “frescura” ou exagero. Ele legitima a dor de crescer, mostrando que os dramas, por mais banais que possam parecer, são sintomas de algo mais profundo: a necessidade de ser compreendido e amado, o medo de não ser aceito nem amado, a busca por um lugar no mundo e o temor de não conseguir encontrá-lo.
Com “Planes, Trains and Automobiles” (Antes Só do que Mal Acompanhado) e “She’s Having a Baby” (Ela vai ter um bebê)”, vemos que apenas crescer não nos torna adultos maduros. Muitas vezes somos apenas adolescentes mais velhos assoberbados de responsabilidades.
Esta fase revela a grande mentira, vendida por aí há décadas, de que na vida adulta você é quem decide ser. Amadurecer significa também perder essa ilusão, vivendo um processo contínuo de descobertas, repletas mais de aceitação das imperfeições e circunstâncias do que de realizações e conquistas ideais.
“Uncle Buck” (Quem Vê Cara Não Vê Coração) e “Curly Sue” (A Malandrinha) completam o retrato desse processo, com adultos imaturos deixando de ser quando decidem assumir o cuidado por outros, tornando-se figuras paternais responsáveis.
A partir daqui Hughes não dirigiu mais filmes, seguindo como roteirista e produtor, mas mantendo o interesse por histórias de família, como na franquia “Esqueceram de Mim” e os dois primeiros “Beethoven”, dentre outros filmes.
Nesse sentido, a obra de Hughes não apenas reflete o imaginário da juventude de sua época, mas atua como um catalisador para a formação de um imaginário mais autêntico e compassivo, tanto para quem vive a adolescência quanto para quem a revisita.
Os adolescentes de 2025 enfrentam pressões muito diferentes dos adolescentes da década de 1980, quando nem se sonhava com redes sociais, virtualização das relações pessoais, polarização política extrema e por aí vai.
Mas o retrato que os filmes de Hughes fazem da essência do que é ser adolescente os torna atuais para qualquer época, seja a de hoje, 40 anos depois, seja a de muito antes, como na adolescência do próprio Hughes, nos anos 1960.
Em particular “O Clube dos Cinco”, o mais atemporal de todos, pois mostra com maestria a distância que todo adolescente constrói entre o que aparenta ser e sua realidade interior, feita mais de dúvidas e incertezas sobre si. Como se diz na famosa fala do filme: “Somos todos muito bizarros. Alguns apenas são melhores em esconder isso”.
As “tribos” de 1985 (atletas, nerds, princesas, “maloqueiros”, “esquisitos” etc.) podem não ser as mesmas de hoje em dia. Os rótulos podem ter mudado, mas a necessidade humana dos adolescentes de “etiquetarem” os outros e a si próprios para tentar parecer que sabem quem são, permanece a mesma, porque é da condição humana nessa fase da vida.
O que o filme faz é, aos poucos, desnudar os cinco adolescentes representativos de tribos diferentes para mostrar que, por trás dos rótulos, eles são mais parecidos do que imaginam. No fim das contas, “O Clube dos Cinco” revela algo atemporal dos adolescentes de qualquer tempo e idade: a experiência universal de se sentir perdido e buscar conexões autênticas.
Em todos os filmes de Hughes essas conexões acontecem, tendo em alguns a formação da família como o lugar de destino ou morada dos vínculos principais. Na vida pessoal de Hughes também foi assim. Era um adolescente solitário e meio nerd, casando-se aos 20 anos com aquela que conhecera quando adolescentes, a cheerleader Nancy Ludwig. Tiveram dois filhos e permaneceram casados por 39 anos, até a morte de Hughes os separar em 2009.
Quarenta anos depois, quando adolescentes enfrentam crises de ansiedade por (falta de) curtidas no Instagram ou se sentem pressionados a ter uma “marca pessoal” antes mesmo de descobrir quem são, os filmes de Hughes continuam sendo um convite a este encontro consigo e com o outro.
Há um diálogo em “O Clube dos Cinco” que resume muito bem como isso pode acontecer. A “princesa” está fazendo a maquiagem da “esquisita”, quando disse: “Sabe, você fica muito melhor sem toda essa merda preta debaixo dos seus olhos”. Ao que a esquisita respondeu: “Ei, eu gosto dessa merda preta…” e perguntou: “Por que você está sendo tão legal comigo?”. Resposta da outra: “Porque você está me deixando ser.”
Em um mundo que insiste em categorizar e compartimentar, onde a superficialidade muitas vezes prevalece, o legado de John Hughes permanece atual, iluminando a verdade de que, por trás de toda aparência, reside uma humanidade compartilhada e anseios universais. A capacidade de “deixar o outro ser”, de enxergar além dos rótulos e de construir pontes através da vulnerabilidade e da aceitação mútua, não apenas nunca sai de moda, como se tornou uma necessidade cada vez mais urgente.
P.s.: Este filme também tem uma bela trilha sonora. Um canal no YT fez um tributo ao filme usando a música mais icônica da obra. Deixo como aperitivo.
A expressão “Verso l’Alto!” (“Para o alto!”),
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