Ver um filme pela primeira vez é, por definição, uma experiência única. Apenas naquele momento, alguns de seus aspectos atingem determinados efeitos. Se um dia visitarmos novamente aquela obra, não seremos surpreendidos da mesma forma de quando o culpado ainda era um mistério, a morte de um personagem arrancou nosso chão ou a destruição do anel era algo a se almejar sem vir cercada por uma aura de certeza.
Então, por que rever um filme? Imagine duas situações.
1. A porta do elevador se abre, lá está o seu vizinho. Durante os próximos segundos, o silêncio deve ser preenchido, ainda que não se deva falar nada além do necessário. Para evitar aborrecimentos, o melhor é ir ao encontro do que há em comum entre vocês e todos que vivem num raio de dezenas de quilômetros dali: que calor, que frio, que chuva, que sol…
2. Agora, você está com alguém muito próximo. A conversa seguiu rumos que fariam uma bússola girar no próprio eixo em alta velocidade. Às vezes, porém, o principal não é sequer dito: vem como uma falha na voz ou um olhar desviando sem sentido aparente. Apenas uma familiaridade acima do normal pode captar esses tremores sutis.
Voltar aos filmes, não só uma ou duas vezes, mas algumas delas até perder a conta, é o caminho para construir com a obra uma relação semelhante a esse segundo caso. Tal frequência, tal convivência, permite adquirir um instrumento bem-vindo na análise: a intimidade. A partir da enésima revisão, quando o protocolar “bom dia, boa noite” foi deixado para trás, os grandes movimentos da trama deixam de ser o foco de atenção. Em seu lugar, ganham preponderância os detalhes que transformam o corriqueiro em extraordinário.
Alguns anos atrás, realizei um mestrado sobre o diretor Brian De Palma. Nesse período, multiplicaram-se as minhas revisões do filme “O Pagamento Final”, que conta a história de um ex-gângster cujo sonho é juntar dinheiro trabalhando honestamente como gerente de uma boate a fim de abandonar Nova York para ir morar com a mulher amada nas Bahamas. Na enésima revisão, eu já conhecia de cor a trama, os diálogos, as músicas, os cortes. No entanto, numa dessas ocasiões, um detalhe veio mudar o meu entendimento.
Em “O Pagamento Final”, o protagonista Carlito Brigante aparece na boate, no tribunal, no escritório do advogado, na casa da namorada, no esconderijo de um bandido, no barco, nas ruas. Porém, o que eu até então não havia reparado é que ele nunca era visto no lugar mais comum: em sua própria casa. Esse simples fato elucidou como nenhum outro o propósito do protagonista: Carlito é como um cão vira-lata, em trânsito por diferentes lugares ao longo do filme, mas nunca em algum que de fato lhe pertença. Ter um lar é o seu maior desejo.
Compartilho esse exemplo pois ele me parece ilustrativo de um poder das revisões:
Ver um filme pela primeira vez é, por definição, uma experiência única. Apenas naquele momento, alguns de seus aspectos atingem determinados efeitos. Se um dia visitarmos novamente aquela obra, não seremos surpreendidos da mesma forma de quando o culpado ainda era um mistério, a morte de um personagem arrancou nosso chão ou a destruição do anel era algo a se almejar sem vir cercada por uma aura de certeza.
Então, por que rever um filme? Imagine duas situações.
1. A porta do elevador se abre, lá está o seu vizinho. Durante os próximos segundos, o silêncio deve ser preenchido, ainda que não se deva falar nada além do necessário. Para evitar aborrecimentos, o melhor é ir ao encontro do que há em comum entre vocês e todos que vivem num raio de dezenas de quilômetros dali: que calor, que frio, que chuva, que sol…
2. Agora, você está com alguém muito próximo. A conversa seguiu rumos que fariam uma bússola girar no próprio eixo em alta velocidade. Às vezes, porém, o principal não é sequer dito: vem como uma falha na voz ou um olhar desviando sem sentido aparente. Apenas uma familiaridade acima do normal pode captar esses tremores sutis.
Voltar aos filmes, não só uma ou duas vezes, mas algumas delas até perder a conta, é o caminho para construir com a obra uma relação semelhante a esse segundo caso. Tal frequência, tal convivência, permite adquirir um instrumento bem-vindo na análise: a intimidade. A partir da enésima revisão, quando o protocolar “bom dia, boa noite” foi deixado para trás, os grandes movimentos da trama deixam de ser o foco de atenção. Em seu lugar, ganham preponderância os detalhes que transformam o corriqueiro em extraordinário.
Alguns anos atrás, realizei um mestrado sobre o diretor Brian De Palma. Nesse período, multiplicaram-se as minhas revisões do filme “O Pagamento Final”, que conta a história de um ex-gângster cujo sonho é juntar dinheiro trabalhando honestamente como gerente de uma boate a fim de abandonar Nova York para ir morar com a mulher amada nas Bahamas. Na enésima revisão, eu já conhecia de cor a trama, os diálogos, as músicas, os cortes. No entanto, numa dessas ocasiões, um detalhe veio mudar o meu entendimento.
Em “O Pagamento Final”, o protagonista Carlito Brigante aparece na boate, no tribunal, no escritório do advogado, na casa da namorada, no esconderijo de um bandido, no barco, nas ruas. Porém, o que eu até então não havia reparado é que ele nunca era visto no lugar mais comum: em sua própria casa. Esse simples fato elucidou como nenhum outro o propósito do protagonista: Carlito é como um cão vira-lata, em trânsito por diferentes lugares ao longo do filme, mas nunca em algum que de fato lhe pertença. Ter um lar é o seu maior desejo.
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