O cinema moderno não nasceu em Hollywood nem em Paris, mas nas ruas devastadas de uma Roma em ruínas, no fim da Segunda Guerra Mundial. O nome por trás dessa revolução silenciosa é Roberto Rossellini, cineasta romano que transformou radicalmente a forma como fazemos e assistimos aos filmes.
Chamar Rossellini de “pai do cinema moderno” não é exagero. Além de ser o fundador do neorrealismo italiano¹, ele criou as bases éticas, estéticas e espirituais que inspirariam todo o cinema do pós-guerra até hoje.
Neste artigo, você vai descobrir não apenas o que Rossellini filmou, mas como e por que ele filmava.
Roberto Rossellini nasceu em Roma, em 1906, numa família abastada. Seu pai foi dono de um dos primeiros cinemas da cidade, o que lhe deu acesso ao mundo do cinema muito cedo. Ainda jovem, Rossellini começou a trabalhar nos bastidores do cinema italiano como sonoplasta e montador, até dirigir os seus primeiros filmes no início da década de 1940. Durante o regime fascista, realizou filmes que seguiam a estética oficial, mas logo se desiludiu com a propaganda e a artificialidade do cinema da época. A guerra e a ocupação nazista transformaram sua visão de mundo e o levaram a repensar radicalmente a função do cinema. Foi nesse contexto que nasceu o neorrealismo: não como uma teoria, mas como uma resposta urgente à realidade que o cercava.
Em 1945, enquanto os estúdios europeus ainda tentavam se reerguer da guerra, Rossellini filmava com pouquíssimos recursos pelas ruas reais de Roma. O resultado foi Roma, Cidade Aberta, um filme que dispensou cenários, astros e efeitos, apostando no choque entre a câmera e a realidade crua. Mais do que um drama sobre a resistência italiana, o filme marcou o surgimento de algo completamente novo: um cinema que não buscava criar novas narrativas, mas mostrar a vida como ela de fato é.
A estreia de Roma, Cidade Aberta mudou tudo. Com ele, Rossellini elevou uma sensibilidade realista que já existia em cineastas como Jean Renoir e Yasujiro Ozu a um novo patamar, criando a primeira forma definitiva do cinema moderno. Era o início de uma trajetória que influenciou de Truffaut a Godard, de Pasolini a Kiarostami.
Rossellini não gostava da palavra “estilo”. Para ele, neorrealismo não era uma questão estética, mas uma postura ética diante do real. Filmando com não-atores, luz natural e enredos fragmentários, ele queria estar em posição de humildade diante da realidade. “Se é muito bonito, não faço”, dizia ele, rejeitando qualquer artifício que traísse a verdade dos acontecimentos. Seu objetivo era filmar a vida como ela é, e não como ele gostaria que fosse.
Essa ética do olhar se tornou a marca do neorrealismo e o fundamento do cinema moderno. A chamada “Trilogia da Guerra” de Rossellini — Roma, Cidade Aberta, Paisà (1946) e Alemanha, Ano Zero (1948) — consolidou essa nova atitude, influenciando uma geração inteira de cineastas a pensar o cinema não como entretenimento, mas como busca pela verdade.
Para Rossellini, filmar era uma forma de conversão — uma passagem do olhar cego ao olhar que vê. Esse tema aparece tanto nas histórias que ele conta quanto na maneira como ele as filma. Em Stromboli (1950), por exemplo, a protagonista, interpretada por Ingrid Bergman, passa por uma transformação interior enquanto confronta a paisagem bruta da ilha. Ao final, sozinha diante do vulcão, ela clama: “Meu Deus, que mistério!”.
Essa “epifania” não é apenas da personagem, mas também do espectador. Rossellini filmava para provocar a mesma conversão no público, forçando-o a sair do consumo passivo de imagens e entrar num estado de contemplação. Suas narrativas são muitas vezes elípticas, com lacunas que exigem do espectador um ato de inteligência e adesão. Ele chamava isso de “filmar a espera”: estar com a câmera pronta para captar o momento em que o milagre se manifesta no cotidiano.
Embora Rossellini se definisse como “católico cultural”, sem uma fé estritamente devocional, sua obra está atravessada por uma visão católica do mundo. Filmes como Francisco, Arauto de Deus (1950), Europa 51 (1952), Joana d’Arc na Fogueira (1954) e O Messias (1975) são exemplos diretos de seu interesse pelo sagrado. Mesmo obras não religiosas, como Viagem à Itália (1954), possuem uma aura de transcendência, com personagens atravessados pela experiência do sofrimento, do milagre e da confissão.
Críticos como Henri Agel e Éric Rohmer chamaram Rossellini de o “maior diretor católico da história do cinema”.
Para Jacques Rivette, sua obra só faz sentido dentro da tradição cristã. Rossellini acreditava que o universo só tem sentido pleno se “Cristo tenha verdadeiramente morrido e ressuscitado”. Sua câmera busca captar a presença do sagrado na vida comum, filmando com humildade, à maneira do “sermo humilis” de Santo Agostinho, que ensinava a falar de coisas sublimes com palavras simples.
Rossellini nunca foi um cineasta cômodo. A partir dos anos 1950, seu cinema cristão e moralista passou a ser rejeitado pela crítica de esquerda, que preferia filmes politizados ou ideologicamente engajados. Ele, por sua vez, criticava o que chamava de “cinefilia vazia”² e o cinema autoindulgente de diretores como Antonioni e Godard. Em 1963, abandonou o cinema comercial e passou a fazer filmes educativos para a televisão.
Apesar de marginalizado, Rossellini permanece como uma referência incontornável, ou seja, é impossível estudar cinema sem estudá-lo. Federico Fellini o chamava de “uma espécie de Adão, de progenitor do qual todos descemos”. Para muitos, ele é “o maior diretor desconhecido” da história. Sua influência pode ser sentida no cinema de Bresson, Tarkovski, Kiarostami e mesmo nos filmes contemporâneos de Terrence Malick.
O box A Conversão do Olhar oferece uma imersão na obra de Roberto Rossellini, explorando seu cinema com a mesma clareza, profundidade e beleza com que o diretor via o mundo.
Dividido em dois volumes inéditos, A Conversão do Olhar I e II, o box revela as raízes espirituais, éticas e estéticas que moldaram não só Rossellini, mas também o próprio cinema moderno. Nele, você encontrará análises acessíveis e inspiradoras que mostram como viver o cinema como experiência de verdade, contemplação e transformação do olhar.
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1. O neorrealismo italiano foi um movimento que surgiu na Itália do pós-guerra, entre meados da década de 1940 e início dos anos 1950. Os filmes dessa época eram marcados por uma estética simples, que buscava retratar o cotidiano das pessoas comuns, sobretudo pobres e marginalizados. Os cenários eram locações reais, com luz natural e, muitas vezes, com atores não profissionais.
2. Roberto Rossellini via a “cinefilia vazia” como uma manifestação de um cinema “morto”, que se afastava da realidade e das verdades essenciais da vida humana.
O cinema moderno não nasceu em Hollywood nem em Paris, mas nas ruas devastadas de uma Roma em ruínas, no fim da Segunda Guerra Mundial. O nome por trás dessa revolução silenciosa é Roberto Rossellini, cineasta romano que transformou radicalmente a forma como fazemos e assistimos aos filmes.
Chamar Rossellini de “pai do cinema moderno” não é exagero. Além de ser o fundador do neorrealismo italiano¹, ele criou as bases éticas, estéticas e espirituais que inspirariam todo o cinema do pós-guerra até hoje.
Neste artigo, você vai descobrir não apenas o que Rossellini filmou, mas como e por que ele filmava.
Roberto Rossellini nasceu em Roma, em 1906, numa família abastada. Seu pai foi dono de um dos primeiros cinemas da cidade, o que lhe deu acesso ao mundo do cinema muito cedo. Ainda jovem, Rossellini começou a trabalhar nos bastidores do cinema italiano como sonoplasta e montador, até dirigir os seus primeiros filmes no início da década de 1940. Durante o regime fascista, realizou filmes que seguiam a estética oficial, mas logo se desiludiu com a propaganda e a artificialidade do cinema da época. A guerra e a ocupação nazista transformaram sua visão de mundo e o levaram a repensar radicalmente a função do cinema. Foi nesse contexto que nasceu o neorrealismo: não como uma teoria, mas como uma resposta urgente à realidade que o cercava.
Em 1945, enquanto os estúdios europeus ainda tentavam se reerguer da guerra, Rossellini filmava com pouquíssimos recursos pelas ruas reais de Roma. O resultado foi Roma, Cidade Aberta, um filme que dispensou cenários, astros e efeitos, apostando no choque entre a câmera e a realidade crua. Mais do que um drama sobre a resistência italiana, o filme marcou o surgimento de algo completamente novo: um cinema que não buscava criar novas narrativas, mas mostrar a vida como ela de fato é.
A estreia de Roma, Cidade Aberta mudou tudo. Com ele, Rossellini elevou uma sensibilidade realista que já existia em cineastas como Jean Renoir e Yasujiro Ozu a um novo patamar, criando a primeira forma definitiva do cinema moderno. Era o início de uma trajetória que influenciou de Truffaut a Godard, de Pasolini a Kiarostami.
Rossellini não gostava da palavra “estilo”. Para ele, neorrealismo não era uma questão estética, mas uma postura ética diante do real. Filmando com não-atores, luz natural e enredos fragmentários, ele queria estar em posição de humildade diante da realidade. “Se é muito bonito, não faço”, dizia ele, rejeitando qualquer artifício que traísse a verdade dos acontecimentos. Seu objetivo era filmar a vida como ela é, e não como ele gostaria que fosse.
Essa ética do olhar se tornou a marca do neorrealismo e o fundamento do cinema moderno. A chamada “Trilogia da Guerra” de Rossellini — Roma, Cidade Aberta, Paisà (1946) e Alemanha, Ano Zero (1948) — consolidou essa nova atitude, influenciando uma geração inteira de cineastas a pensar o cinema não como entretenimento, mas como busca pela verdade.
Para Rossellini, filmar era uma forma de conversão — uma passagem do olhar cego ao olhar que vê. Esse tema aparece tanto nas histórias que ele conta quanto na maneira como ele as filma. Em Stromboli (1950), por exemplo, a protagonista, interpretada por Ingrid Bergman, passa por uma transformação interior enquanto confronta a paisagem bruta da ilha. Ao final, sozinha diante do vulcão, ela clama: “Meu Deus, que mistério!”.
Essa “epifania” não é apenas da personagem, mas também do espectador. Rossellini filmava para provocar a mesma conversão no público, forçando-o a sair do consumo passivo de imagens e entrar num estado de contemplação. Suas narrativas são muitas vezes elípticas, com lacunas que exigem do espectador um ato de inteligência e adesão. Ele chamava isso de “filmar a espera”: estar com a câmera pronta para captar o momento em que o milagre se manifesta no cotidiano.
Embora Rossellini se definisse como “católico cultural”, sem uma fé estritamente devocional, sua obra está atravessada por uma visão católica do mundo. Filmes como Francisco, Arauto de Deus (1950), Europa 51 (1952), Joana d’Arc na Fogueira (1954) e O Messias (1975) são exemplos diretos de seu interesse pelo sagrado. Mesmo obras não religiosas, como Viagem à Itália (1954), possuem uma aura de transcendência, com personagens atravessados pela experiência do sofrimento, do milagre e da confissão.
Críticos como Henri Agel e Éric Rohmer chamaram Rossellini de o “maior diretor católico da história do cinema”.
Para Jacques Rivette, sua obra só faz sentido dentro da tradição cristã. Rossellini acreditava que o universo só tem sentido pleno se “Cristo tenha verdadeiramente morrido e ressuscitado”. Sua câmera busca captar a presença do sagrado na vida comum, filmando com humildade, à maneira do “sermo humilis” de Santo Agostinho, que ensinava a falar de coisas sublimes com palavras simples.
Rossellini nunca foi um cineasta cômodo. A partir dos anos 1950, seu cinema cristão e moralista passou a ser rejeitado pela crítica de esquerda, que preferia filmes politizados ou ideologicamente engajados. Ele, por sua vez, criticava o que chamava de “cinefilia vazia”² e o cinema autoindulgente de diretores como Antonioni e Godard. Em 1963, abandonou o cinema comercial e passou a fazer filmes educativos para a televisão.
Apesar de marginalizado, Rossellini permanece como uma referência incontornável, ou seja, é impossível estudar cinema sem estudá-lo. Federico Fellini o chamava de “uma espécie de Adão, de progenitor do qual todos descemos”. Para muitos, ele é “o maior diretor desconhecido” da história. Sua influência pode ser sentida no cinema de Bresson, Tarkovski, Kiarostami e mesmo nos filmes contemporâneos de Terrence Malick.
O box A Conversão do Olhar oferece uma imersão na obra de Roberto Rossellini, explorando seu cinema com a mesma clareza, profundidade e beleza com que o diretor via o mundo.
Dividido em dois volumes inéditos, A Conversão do Olhar I e II, o box revela as raízes espirituais, éticas e estéticas que moldaram não só Rossellini, mas também o próprio cinema moderno. Nele, você encontrará análises acessíveis e inspiradoras que mostram como viver o cinema como experiência de verdade, contemplação e transformação do olhar.
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1. O neorrealismo italiano foi um movimento que surgiu na Itália do pós-guerra, entre meados da década de 1940 e início dos anos 1950. Os filmes dessa época eram marcados por uma estética simples, que buscava retratar o cotidiano das pessoas comuns, sobretudo pobres e marginalizados. Os cenários eram locações reais, com luz natural e, muitas vezes, com atores não profissionais.
2. Roberto Rossellini via a “cinefilia vazia” como uma manifestação de um cinema “morto”, que se afastava da realidade e das verdades essenciais da vida humana.
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