Da Era de Ouro de Hollywood ao streaming: A persistência e o renascimento do cinema cristão
Por Francisco Escorsim
|
25.ago.2025
Midle Dot

Você também tem a impressão de que há uma presença maior de obras cristãs, religiosas em geral, no mercado de cinema? 

Mas talvez seja apenas consequência das mudanças causadas pelo surgimento dos serviços de streaming, não apenas aumentando a quantidade de produções, mas também permitindo a visualização maior de nichos antes relegados a cantinhos modestos das prateleiras das videolocadoras.

O cinema cristão sempre existiu, claro. E acompanhar sua história revela coisas bem interessantes. 

Por exemplo, até a década de 1960, sua presença era comum no mainstream, fazia parte dele, com os épicos bíblicos da Idade de Ouro de Hollywood tendo milhares de espectadores, rendendo milhões nas bilheterias e ganhando diversos prêmios, como o grandioso Os Dez Mandamentos (1956) ou o monumental Ben-Hur (1959): aquele ganhou 1 Oscar e este levou nada menos do que 11!

De lá até o fim do século XX, porém, essas produções épicas bíblicas foram rareando a ponto de quase não existirem. A produção ficou mais dispersa e menos ostensiva, quase  independente. Os temas, menos explícitos e mais diluídos em dramas. Como em “Carruagens de Fogo” (1981), que conta a história de um atleta escocês que se recusa a correr em uma Olimpíada por ser domingo. O filme ganhou o Oscar de Melhor Filme.

O retorno impactante de histórias bíblicas só voltou a acontecer em 2004, com A Paixão de Cristo, de Mel Gibson, que fez história nas bilheterias, arrecadando mais de US$600 milhões mundialmente. Um feito e tanto para um filme “R-rated” (proibido para menores de 17 anos) e falado em aramaico. 

Essa obra deveria ter sido um divisor de águas, uma espécie de “chamado” para a indústria, lembrando da existência de um público gigante e sedento por histórias que tocam na fé, no sacrifício, na redenção. Mas não aconteceu. Até chegou a ser indicado em 3 categorias do Oscar, mais técnicas, mas não ganhou nenhuma. Jim Caviezel, que interpretou Cristo, foi praticamente exilado da indústria mainstream, e a Mel Gibson não se deu reconhecimento devido.

Ainda assim, o sucesso comercial deveria bastar para a indústria investir em mais filmes assim. Até pelos avanços tecnológicos para criação de efeitos especiais, permitindo criar histórias mais fascinantes com os milagres, como foi feito com os superpoderes dos filmes de super-heróis.

Enfim, os estúdios tinham um filão precioso em mãos para explorar. Mas foram tímidos. Até vieram alguns filmes, como Noé (2014), e Êxodo: Deuses e Reis (2014). Filmes caros, com orçamentos de centenas de milhões de dólares, diretores renomados (Darren Aronofsky e Ridley Scott, respectivamente), e estrelas de Hollywood. 

Não fizeram feio na bilheteria, mas nenhum chegou na metade do que arrecadou A Paixão de Cristo. E talvez seja por não terem sido fiéis à força espiritual dessas histórias, dando à Noé uma aura de épico mais ecológico e racionalizando os milagres em Êxodo, como, por exemplo, tratando a abertura do Mar Vermelho como se fosse consequência de um tsunami.

Mas veio a era do streaming, onde tudo parece se misturar e se expandir, e com ela o cinema cristão ganhou uma nova dimensão. As plataformas se tornaram o porto seguro para muitas dessas produções, algumas nascidas em projetos independentes, outras originais das gigantes do entretenimento.

Pegue, por exemplo, The Chosen. Uma série que começou com crowdfunding e virou um fenômeno global, explorando a vida de Jesus e seus discípulos de uma forma humana, próxima, quase íntima. Não é mais só a grandiosidade, é a profundidade do personagem, a humanização do divino. Ou, se formos para outros cantos da fé, Milagre na Cela 7, mesmo não sendo explicitamente cristão, ressoa com valores universais de inocência e amor incondicional.

Essas plataformas permitiram que os temas cristãos se multiplicassem, para além do épico e dramático, com a fé estando no centro da história, seja em dramas familiares como A Família Baxter, histórias de superação como Superação: O Milagre da Fé, e filmes como Quarto de Guerra, em que a fé é parte do cotidiano, não algo extraordinário.

Mas analisando essas obras da era do streaming, pode-se tranquilamente dizer que o futuro do cinema religioso depende de um investimento contínuo e crescente na qualidade técnica e narrativa. A meta precisa ser a de ir além do público de nicho, buscando uma audiência mais ampla que valorize a excelência cinematográfica. 

Para tanto, é preciso diversificar os gêneros, como o do terror. Um exemplo marcante é o curta Refuse, de Kenneth Chang, baseado no poder da fé que faz o amor expulsar nossos demônios.

Por outro lado, introduzir no mainstream histórias explicitamente cristãs, como a série em produção para a Fox Nation, intitulada “Martin Scorsese Apresenta: Os Santos”, dramatizando as vidas de oito santos católicos. E vem aí Mel Gibson dando sequência ao seu A Paixão de Cristo, lançando em 2027, em duas partes, A Paixão de Cristo: Ressurreição, com o mesmo Jim Caviezel no papel de Jesus.

Enfim, para um blog, este texto já ficou grande demais. Acho que é um bom tema para desenvolver melhor em um episódio do Crítica Cultural. Que acha, leitor? 

Leia mais de Francisco Escorsim: 

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O cinema cristão sempre existiu, claro. E acompanhar sua história revela coisas bem interessantes. 

Por exemplo, até a década de 1960, sua presença era comum no mainstream, fazia parte dele, com os épicos bíblicos da Idade de Ouro de Hollywood tendo milhares de espectadores, rendendo milhões nas bilheterias e ganhando diversos prêmios, como o grandioso Os Dez Mandamentos (1956) ou o monumental Ben-Hur (1959): aquele ganhou 1 Oscar e este levou nada menos do que 11!

De lá até o fim do século XX, porém, essas produções épicas bíblicas foram rareando a ponto de quase não existirem. A produção ficou mais dispersa e menos ostensiva, quase  independente. Os temas, menos explícitos e mais diluídos em dramas. Como em “Carruagens de Fogo” (1981), que conta a história de um atleta escocês que se recusa a correr em uma Olimpíada por ser domingo. O filme ganhou o Oscar de Melhor Filme.

O retorno impactante de histórias bíblicas só voltou a acontecer em 2004, com A Paixão de Cristo, de Mel Gibson, que fez história nas bilheterias, arrecadando mais de US$600 milhões mundialmente. Um feito e tanto para um filme “R-rated” (proibido para menores de 17 anos) e falado em aramaico. 

Essa obra deveria ter sido um divisor de águas, uma espécie de “chamado” para a indústria, lembrando da existência de um público gigante e sedento por histórias que tocam na fé, no sacrifício, na redenção. Mas não aconteceu. Até chegou a ser indicado em 3 categorias do Oscar, mais técnicas, mas não ganhou nenhuma. Jim Caviezel, que interpretou Cristo, foi praticamente exilado da indústria mainstream, e a Mel Gibson não se deu reconhecimento devido.

Ainda assim, o sucesso comercial deveria bastar para a indústria investir em mais filmes assim. Até pelos avanços tecnológicos para criação de efeitos especiais, permitindo criar histórias mais fascinantes com os milagres, como foi feito com os superpoderes dos filmes de super-heróis.

Enfim, os estúdios tinham um filão precioso em mãos para explorar. Mas foram tímidos. Até vieram alguns filmes, como Noé (2014), e Êxodo: Deuses e Reis (2014). Filmes caros, com orçamentos de centenas de milhões de dólares, diretores renomados (Darren Aronofsky e Ridley Scott, respectivamente), e estrelas de Hollywood. 

Não fizeram feio na bilheteria, mas nenhum chegou na metade do que arrecadou A Paixão de Cristo. E talvez seja por não terem sido fiéis à força espiritual dessas histórias, dando à Noé uma aura de épico mais ecológico e racionalizando os milagres em Êxodo, como, por exemplo, tratando a abertura do Mar Vermelho como se fosse consequência de um tsunami.

Mas veio a era do streaming, onde tudo parece se misturar e se expandir, e com ela o cinema cristão ganhou uma nova dimensão. As plataformas se tornaram o porto seguro para muitas dessas produções, algumas nascidas em projetos independentes, outras originais das gigantes do entretenimento.

Pegue, por exemplo, The Chosen. Uma série que começou com crowdfunding e virou um fenômeno global, explorando a vida de Jesus e seus discípulos de uma forma humana, próxima, quase íntima. Não é mais só a grandiosidade, é a profundidade do personagem, a humanização do divino. Ou, se formos para outros cantos da fé, Milagre na Cela 7, mesmo não sendo explicitamente cristão, ressoa com valores universais de inocência e amor incondicional.

Essas plataformas permitiram que os temas cristãos se multiplicassem, para além do épico e dramático, com a fé estando no centro da história, seja em dramas familiares como A Família Baxter, histórias de superação como Superação: O Milagre da Fé, e filmes como Quarto de Guerra, em que a fé é parte do cotidiano, não algo extraordinário.

Mas analisando essas obras da era do streaming, pode-se tranquilamente dizer que o futuro do cinema religioso depende de um investimento contínuo e crescente na qualidade técnica e narrativa. A meta precisa ser a de ir além do público de nicho, buscando uma audiência mais ampla que valorize a excelência cinematográfica. 

Para tanto, é preciso diversificar os gêneros, como o do terror. Um exemplo marcante é o curta Refuse, de Kenneth Chang, baseado no poder da fé que faz o amor expulsar nossos demônios.

Por outro lado, introduzir no mainstream histórias explicitamente cristãs, como a série em produção para a Fox Nation, intitulada “Martin Scorsese Apresenta: Os Santos”, dramatizando as vidas de oito santos católicos. E vem aí Mel Gibson dando sequência ao seu A Paixão de Cristo, lançando em 2027, em duas partes, A Paixão de Cristo: Ressurreição, com o mesmo Jim Caviezel no papel de Jesus.

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