O Presépio Interior
Por Sérgio Resende
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21.dez.2024
Midle Dot

Uma diferença fundamental entre o nosso nascimento e o nascimento de Cristo está no fato de que, sendo criaturas, não podemos definir ou escolher as circunstâncias em que nascemos. Nem o local, nem a hora, nem o ventre em que nascemos carregam a marca de nossa intenção. Com Cristo, porém, ocorre algo muito diferente, pois sua existência pessoal antecede o seu nascimento humano. Para Cristo, nascer é um ato; para nós, é apenas uma paixão.

Diz o livro do Eclesiastes que o sábio age na hora certa. De fato, Deus, sábio por excelência, dispôs com perfeição cada elemento que compunha o grande cenário de seu nascimento. O universo, longe de assistir passivamente a esse evento como um conjunto de circunstâncias acidentais, participou ativamente da grande Epifania do Senhor. Das pedras aos anjos, o cosmos inteiro testemunhava, comovido, o momento sublime – como um berço cuidadosamente preparado pelo próprio indivíduo que haveria de ocupá-lo.

É precisamente nesse sentido que dizemos que o presépio é um símbolo. Um símbolo nada mais é do que um objeto destinado a orientar nossa atenção para algo ausente, de apreensão mais sutil e menos imediata. Isso não significa que o símbolo careça de realidade factual. Pelo contrário, todo símbolo é uma realidade concreta, com características próprias, mas que contém em si a presença de outra realidade, mais profunda, cuja imagem ele sugere ou representa.

O presépio é, assim, uma espécie de espelho no qual se refletem as arestas da Sabedoria Divina. E o próprio espelho, enquanto ente concreto, é um símbolo desse processo. Sua função é servir de superfície de reflexão para outra coisa: ele mesmo deve, de certo modo — como João Batista — desaparecer, para que a outra coisa se manifeste. Nesse sentido, o espelho pode ser considerado sob dois aspectos. Não é, por exemplo, do mesmo modo que olhamos para um espelho em casa e em uma loja de espelhos. No primeiro caso, dirigimos nossa atenção à imagem refletida no espelho; no segundo, ao próprio espelho, em sua materialidade. O primeiro ato é contemplativo, enquanto o segundo é um ato de visão ordinária. Pelo primeiro ato acessamos a letra, pelo segundo, o espírito.

No entanto, devido à ignorância e à soberba herdadas do pecado original, o ato contemplativo pelo qual vemos nas coisas a imagem da Sabedoria Divina exige esforço ascético. Sem humildade, nossa vontade permanece inclinada a buscar apenas o benefício imediato das coisas. Sem meditação, nossa inteligência permanece presa ao véu das aparências sensíveis, incapaz de alcançar a imagem divina que nelas se oculta. É assim que o presépio tende a ser visto como um simples ornamento, perdendo sua característica especular e sua transparência contemplativa. Pois o símbolo só revela sua profundidade à alma disposta a reconhecer, no visível, os traços do invisível.

São Francisco de Assis sabia disso. Quando, em 1223, em uma pequena vila da Itália, concebeu e criou o primeiro presépio, sua intenção era proporcionar ao povo uma experiência contemplativa simples e humilde do Mistério da Encarnação. No centro dessa experiência deveria estar a Senhora Pobreza, virtude moral que abre as portas para essa contemplação e vivência: “Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus”.

Assim, mais do que um simples ornamento, o presépio, como representação do nascimento de Cristo, é uma espécie de ícone. Ele oferece à alma humana o duplo poder curativo próprio da pedagogia divina: pela humildade que nos inspira, promove o fortalecimento da nossa vontade; e, pela função simbólica dos seus elementos, estimula a meditação e a contemplação. Em ambos os casos, ele cria as condições para que a graça elimine em nós as duas grandes chagas do pecado: a soberba e a ignorância. Quem contemplar com humildade de coração e atenção meditativa cada um dos componentes daquele acontecimento deverá ser capaz de neles antever os mistérios da restauração humana.

Tome-se, por exemplo, a gruta. A gruta, como cavidade natural no corpo da terra, remete ao mistério da interioridade humana, ao espaço que o Espírito abre na opacidade do corpo. Nesse sentido, ela é como aquele quarto no qual Deus nos ouve em segredo, ou como a cela interior da qual fala Santa Catarina de Sena. Quem, como os pastores e os reis magos, encontrar esse recinto – cuja porta de entrada é a fé – ouvirá, no silêncio dessa noite interior, os gemidos inarticulados de uma criança, aqueles com os quais o próprio Espírito Santo ora dentro de nós.

Não é, portanto, por acaso que tudo isso tenha ocorrido em Belém, cujo nome significa justamente “casa do pão”. A gruta é também o forno onde o pão da vida é assado. Lembremos, por exemplo, que a gruta era o lugar onde os hebreus sepultavam seus mortos. É nela, portanto, que o homem velho é sepultado, para dar lugar ao homem novo, que, frágil como um recém-nascido, deverá ser envolvido nos quentes panos da caridade.

Essa cavidade é, portanto, o nosso coração, no qual a humildade – representada pela manjedoura, disposta como as mãos do miserável em forma de “V” – atrai sobre si a transformadora graça divina. E como todo vale deve ser preenchido, a Virgem deposita sobre essa manjedoura o fruto de sua concepção, o Menino Jesus, o “mínimus”, a semente de mostarda que, por muito pouco, pode ser perdida, mas que, novamente, por “um pouco”, pode ser reencontrada.

Não nos espantaremos, então, se diante desse Menino, dessa pequena luz que brilhou nas trevas de nosso coração, se dobrarem os joelhos dos animais que trazemos em nós, os quais miraculosamente se recusarão a comer da palha que outrora lhes servia de alimento. Eles verão a manifestação do Filho de Deus, diante de quem todo joelho se dobra.

Que neste Natal o presépio seja para nós muito mais que um ornamento ou um simples enfeite para a encenação de uma fé à qual tantas vezes aderimos de forma superficial. Que ele se torne, antes, um espelho de nossa alma, um ícone no qual possamos contemplar o mistério do nascimento de Cristo em nós.

Que, diante da simplicidade da gruta e da humildade da manjedoura, nosso coração se abra à luz do Menino Deus, permitindo que Ele transforme nossas trevas em claridade e nossas fraquezas em força. Que o presépio nos inspire a buscar, com o espírito de pobreza e caridade, a verdadeira paz e alegria que somente o Emmanuel, “Deus conosco”, pode nos dar.

E assim, contemplando o presépio com humildade e fé, sejamos renovados pela graça divina, tornando-nos capazes de levar ao mundo, com palavras e gestos, o amor e a luz daquele que veio habitar entre nós.


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Uma diferença fundamental entre o nosso nascimento e o nascimento de Cristo está no fato de que, sendo criaturas, não podemos definir ou escolher as circunstâncias em que nascemos. Nem o local, nem a hora, nem o ventre em que nascemos carregam a marca de nossa intenção. Com Cristo, porém, ocorre algo muito diferente, pois sua existência pessoal antecede o seu nascimento humano. Para Cristo, nascer é um ato; para nós, é apenas uma paixão.

Diz o livro do Eclesiastes que o sábio age na hora certa. De fato, Deus, sábio por excelência, dispôs com perfeição cada elemento que compunha o grande cenário de seu nascimento. O universo, longe de assistir passivamente a esse evento como um conjunto de circunstâncias acidentais, participou ativamente da grande Epifania do Senhor. Das pedras aos anjos, o cosmos inteiro testemunhava, comovido, o momento sublime – como um berço cuidadosamente preparado pelo próprio indivíduo que haveria de ocupá-lo.

É precisamente nesse sentido que dizemos que o presépio é um símbolo. Um símbolo nada mais é do que um objeto destinado a orientar nossa atenção para algo ausente, de apreensão mais sutil e menos imediata. Isso não significa que o símbolo careça de realidade factual. Pelo contrário, todo símbolo é uma realidade concreta, com características próprias, mas que contém em si a presença de outra realidade, mais profunda, cuja imagem ele sugere ou representa.

O presépio é, assim, uma espécie de espelho no qual se refletem as arestas da Sabedoria Divina. E o próprio espelho, enquanto ente concreto, é um símbolo desse processo. Sua função é servir de superfície de reflexão para outra coisa: ele mesmo deve, de certo modo — como João Batista — desaparecer, para que a outra coisa se manifeste. Nesse sentido, o espelho pode ser considerado sob dois aspectos. Não é, por exemplo, do mesmo modo que olhamos para um espelho em casa e em uma loja de espelhos. No primeiro caso, dirigimos nossa atenção à imagem refletida no espelho; no segundo, ao próprio espelho, em sua materialidade. O primeiro ato é contemplativo, enquanto o segundo é um ato de visão ordinária. Pelo primeiro ato acessamos a letra, pelo segundo, o espírito.

No entanto, devido à ignorância e à soberba herdadas do pecado original, o ato contemplativo pelo qual vemos nas coisas a imagem da Sabedoria Divina exige esforço ascético. Sem humildade, nossa vontade permanece inclinada a buscar apenas o benefício imediato das coisas. Sem meditação, nossa inteligência permanece presa ao véu das aparências sensíveis, incapaz de alcançar a imagem divina que nelas se oculta. É assim que o presépio tende a ser visto como um simples ornamento, perdendo sua característica especular e sua transparência contemplativa. Pois o símbolo só revela sua profundidade à alma disposta a reconhecer, no visível, os traços do invisível.

São Francisco de Assis sabia disso. Quando, em 1223, em uma pequena vila da Itália, concebeu e criou o primeiro presépio, sua intenção era proporcionar ao povo uma experiência contemplativa simples e humilde do Mistério da Encarnação. No centro dessa experiência deveria estar a Senhora Pobreza, virtude moral que abre as portas para essa contemplação e vivência: “Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus”.

Assim, mais do que um simples ornamento, o presépio, como representação do nascimento de Cristo, é uma espécie de ícone. Ele oferece à alma humana o duplo poder curativo próprio da pedagogia divina: pela humildade que nos inspira, promove o fortalecimento da nossa vontade; e, pela função simbólica dos seus elementos, estimula a meditação e a contemplação. Em ambos os casos, ele cria as condições para que a graça elimine em nós as duas grandes chagas do pecado: a soberba e a ignorância. Quem contemplar com humildade de coração e atenção meditativa cada um dos componentes daquele acontecimento deverá ser capaz de neles antever os mistérios da restauração humana.

Tome-se, por exemplo, a gruta. A gruta, como cavidade natural no corpo da terra, remete ao mistério da interioridade humana, ao espaço que o Espírito abre na opacidade do corpo. Nesse sentido, ela é como aquele quarto no qual Deus nos ouve em segredo, ou como a cela interior da qual fala Santa Catarina de Sena. Quem, como os pastores e os reis magos, encontrar esse recinto – cuja porta de entrada é a fé – ouvirá, no silêncio dessa noite interior, os gemidos inarticulados de uma criança, aqueles com os quais o próprio Espírito Santo ora dentro de nós.

Não é, portanto, por acaso que tudo isso tenha ocorrido em Belém, cujo nome significa justamente “casa do pão”. A gruta é também o forno onde o pão da vida é assado. Lembremos, por exemplo, que a gruta era o lugar onde os hebreus sepultavam seus mortos. É nela, portanto, que o homem velho é sepultado, para dar lugar ao homem novo, que, frágil como um recém-nascido, deverá ser envolvido nos quentes panos da caridade.

Essa cavidade é, portanto, o nosso coração, no qual a humildade – representada pela manjedoura, disposta como as mãos do miserável em forma de “V” – atrai sobre si a transformadora graça divina. E como todo vale deve ser preenchido, a Virgem deposita sobre essa manjedoura o fruto de sua concepção, o Menino Jesus, o “mínimus”, a semente de mostarda que, por muito pouco, pode ser perdida, mas que, novamente, por “um pouco”, pode ser reencontrada.

Não nos espantaremos, então, se diante desse Menino, dessa pequena luz que brilhou nas trevas de nosso coração, se dobrarem os joelhos dos animais que trazemos em nós, os quais miraculosamente se recusarão a comer da palha que outrora lhes servia de alimento. Eles verão a manifestação do Filho de Deus, diante de quem todo joelho se dobra.

Que neste Natal o presépio seja para nós muito mais que um ornamento ou um simples enfeite para a encenação de uma fé à qual tantas vezes aderimos de forma superficial. Que ele se torne, antes, um espelho de nossa alma, um ícone no qual possamos contemplar o mistério do nascimento de Cristo em nós.

Que, diante da simplicidade da gruta e da humildade da manjedoura, nosso coração se abra à luz do Menino Deus, permitindo que Ele transforme nossas trevas em claridade e nossas fraquezas em força. Que o presépio nos inspire a buscar, com o espírito de pobreza e caridade, a verdadeira paz e alegria que somente o Emmanuel, “Deus conosco”, pode nos dar.

E assim, contemplando o presépio com humildade e fé, sejamos renovados pela graça divina, tornando-nos capazes de levar ao mundo, com palavras e gestos, o amor e a luz daquele que veio habitar entre nós.


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